Fajãzinha, Flores (fotografia gentilmente cedida pela editora Ver Açor)
E agora as Flores?... É preciso dizer outra vez deslumbramento e fascínio, maravilha ou paixão... É preciso ter os sentidos preparados para o imprevisível, os sentimentos ainda capazes de esperar o inesperado... Esta ilha seria um dos piores lugares do Mundo para se perder a visão – ou um dos melhores, para quem pudesse viver de recordações.
Lagoas no fundo dos precipícios das crateras, reflectindo o verde das chaminés vulcânicas esculpidas a fogo. Montanhas que de repente tombam numa queda abrupta. Ribeiras que se atiram em vertiginosas cataratas. Cento e quarenta e três quilómetros quadrados onde se repete o que há de mais belo em cada uma das outras ilhas, como se elas fossem os esboços de um artista em busca da perfeição.
Aqui, acaba-se a Europa a Ocidente. A ilha das Flores é o seu último espaço habitado, o ilhéu de Monchique o seu último recife. Mas a regra foi a mesma: dos oito mil habitantes de meados do século XX, restava metade em 2001. Muitos não resistiram à sedução das “Califórnias perdidas de abundância” - como escreveu Pedro da Silveira num poema em que disse, quase definitivamente, o que é ser ilha e desejar o Mundo.
Ter nascido no Corvo é um privilégio. Em cinco séculos de povoamento, não terão vivido nesta ilha mais do que umas três mil pessoas. Os seus nomes caberiam todos em meia dúzia de folhas de papel, e não seria difícil conhecê-los um a um.
São pouco mais de dezassete quilómetros quadrados onde, no entanto, há espaço para terra de pão e de paisagem, e de dois cumes montanhosos que foram cone de vulcão, um de 550 metros de altitude, o outro de 729, com duas lagoas no fundo – o Caldeirão – que têm pelo meio umas pequenas ilhotas em que há quem consiga ver a representação das nove ilhas dos Açores.
Talvez cause estranheza a linguagem serena com que os corvinos - que são pouco mais de quatrocentos residentes no único povoado da ilha – são capazes de falar da vida e do Mundo com admirável sabedoria. Mas um dos seus hábitos mais antigos é a leitura, pela qual venciam todas as distâncias e afastavam todos os fantasmas de um isolamento que, visto de fora, parece assustador. Mas não é. Apesar de o Corvo ser a ilha absoluta.
(Do livro Açores, editado pela Everest. A editora não autoriza a transcrição.)
7 comentários:
"Esta ilha seria um dos piores lugares do Mundo para se perder a visão – ou um dos melhores, para quem pudesse viver de recordações."
Um dia, os invejosos pôe-te as mãos em gesso! Isto lá é frase que se escreva?! :-)))
Abraço.
Daniel
Concordo com o Sam. Dessa vez abusou da beleza literária.
Não conheço outro que além de afastar os tais fantasmas do isolamento,seja capaz de nos provocar lágrimas sorridentes e tamanha perplexidade.
Beijo
Belo texto.
Como habitualmente.
Flores.
Recordei, exactamente, Pedro da Silveira:
"Em frente,
mar.
Para trás,
rochas a pique
vedam todos os caminhos.
Vem o inverno.
Vem o verão.
Na loja vazia o dono boceja.
A grapuada joga ao pião.
Um carro de bois chia.
E é tudo tão igual,
tão encharcado de solidão
que a gente às vezes já nem sabe
se vive".
Sobre o Corvo, escreveu Raul Brandão:
"Olho para isto tão pequeno e tão pobre, para os campos retalhados de muros escuros, para as eirinhas redondas com lajedo de lava e um pau ao meio, a que se junge o boi que debulha o trigo; para os seres e as coisas do mesmo tom apagado e uniforme; olho para a ilha descarnada pelo vento, tão forte de inverno que o sino tange sózinho, e sinto-me como nunca me senti, isolado no mundo."
E ainda há quem questione a "insularidade"...
Este teu dom para produzir o visualismo paisagístico é arrepiante e desperta no leitor a vontade de preparar as malas e partir em busca dos paraísos insulares.Fixei-me neste parágrafo onde a natureza nos convoca para a sedução e para o esmagamento.
"Lagoas no fundo dos precipícios
das crateras, reflectindo o verde das chaminés vulcânicas esculpidas a fogo. Montanhas que de repente tombam numa queda abrupta. Ribeiras que se atiram em vertiginosas cataratas."
Comprende-se o motivo dos ilhéus terem uma escrita poderosa e os do corvo não serão excepção,por duas ordens de força: força da cercadura de beleza que os rodeia; força da leitura que os afasta "do fantasma do isolamento".
Gostaria de falar com alguns corvinos para que me explicassem o que é viver num território tão reduzido e com tão poucas almas.
Para já fico-me não com "os esboços de um artista em busca da perfeição", mas com a descrição divina de uma paisagem soberana.
Uma leitura que nos tranquiliza. Obrigado.
Samuel
Tenho a certeza absoluta de que Montemor-o-Novo não fornecerá tal gesso. E daqui vai um abraço do tamanho da minha gratidão.
Cristina
Para ti, vai um abraço do mesmo tamanho, mas com um par de beijos.
José Augusto
O pior foi o Vicente Jorge Silva só ter visto isso e nada mais.
Abraço.
Lia
Não me estragues mais com esses mimos... Quanto a um corvino, se conseguires apanhar em Lisba o João Saramgo, um linguista magnífico, perceberás que tipo de gente o Crvo pode "produzir".
Abraço e beijos.
CS
O Joaquim Manuel Magalhães encontrou essa tranquilidade no Corvo. E ele não é fácil e contentar.
(És só de abraços ou também de beijos?... À cautela, vai um abraço...)
Minha Gente:
Fui às Flores e Corvo há precisamente 40 anos, quando no Corvo viviam apenas e só 300 almas!!!
...e lá, só se ia de vapor e de escaler...
Era terrível desembarcar no Corvo. O cais era tão minúsculo que o mar o galgava mesmo com bom tempo. Subir a única rua lajeada, ao fresco da manhã e entrar em casa alheia para comer o mais precioso, o mais saboroso queijo fresco, era de encher a alma e...estômago!!!
Mais uma viagem e estamos nas Flores - A MAIS LINDA ILHA DOS AÇORES!
Deus quis acabar de compôr estas 9 ilhas, duma forma gloriosa e dotou as Flores duma paisagem soberba, serena e musical ( até o silêncio se ouve!)
Por isso dizem que a ilha das Flores é a Suiça Açoriana. O problema é que também a chamam de Irão: "Irão, irão. Voltarão ou não!"
Pois é, quando os ventos a habitam é difícil o avião aterrar...
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