quarta-feira, 2 de março de 2011

Dia do Filho



(Mensagem enviada a Daniel Abrunheiro, a propósito do tema que nela consta)
Meu Caro

A tua homenagem à Mãe está demasiado bela para que eu nada diga. Se na escrita se pode ser sublime, tu foste, neste caso. Mas para uma Mãe nada é nunca demais. E com a Mãe tudo pode acontecer, até o que chega a assemelhar-se a ficção de novela barata ou a romance com pouca imaginação.

Eu também tive Mãe. Mãe milagrosa. Mãe capaz do impossível. Dela nasci numa casinha abaixo daquela que pertencia ao meu avô, seu pai. Numa noite de tempestade, com os vagalhões a rebentarem a trinta metros de distância e os relâmpagos a caírem como se fosse ao lado. Outra luz que não a deles, só a do azeite de gata, que era o combustível possível desse tempo de guerra ainda. Enquanto na Europa continental os dois lados do conflito se esmeravam nos pormenores finais da morte, mais um milagre da vida acontecia.

O maior milagre da minha Mãe, que era ela ser como era, durou até um ano em que nada fazia pensar que fosse o seu último. E aconteceram coisas estranhas, que só por ela ser Mãe podem ter acontecido. E em que eu, se me contassem de qualquer outra, não acreditaria. Estava-se por Janeiro ou Fevereiro, e a minha irmã preocupada já porque em Agosto iria uns dias para Santa Maria. Queria ter a certeza de que a nossa Mãe ficava bem. Ela disse que a minha irmã não se preocupasse – morreria antes de Agosto. Minha irmã, céptica quanto a presságios, não acreditou. Para ter a certeza de que ela estava de perfeita saúde, como parecia, quis que fosse internada por um dia ou dois, no Hospital do Espírito Santo, para fazer exames completos. Entrou sem qualquer doença, saiu de lá para morrer mais perto de nós. Porque foi apanhada por uma infecção hospitalar que o organismo suportou bem, mas não resistiu a uma segunda. Foi preciso até privá-la da fala para que pudesse respirar.

Depois… depois já era Julho. O último dia de Julho, com um sol esplêndido. Eu tinha estado com ela até meio da tarde. Chamaram-me à pressa. Pareceu-me praticamente morta. Disseram-lhe que eu estava ali. Ela abriu os olhos. Ainda conseguiu erguer um pouco a cabeça, para me beijar. Fez o sorriso mais belo que terei visto na minha vida inteira. Percebi que os seus lábios se moviam a dizer a mesma saudação de sempre: “Meu querido filho!” E morreu, como nos tais romances, como nos filmes. Primeiro um sono profundo, breve, depois o derradeiro, o para sempre. Era Julho, quase Agosto. Uma tarde linda, sem nuvens, sem outras sombras. A minha sobrinha Lurdes estava ao pé de mim. Abraçámo-nos a chorar.

O relógio da cozinha da Lurdes parou às 7h 24m. A hora exacta a que minha Mãe morreu. Não era preciso que Ele me dissesse, assim, que a minha Mãe era um anjo. Eu sempre o soube.