domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ahmed Ben Kassin (8)



Com certeza já todos os amigos que aqui têm vindo perceberam que Ahmed Ben Kassin é um poeta que eu mesmo criei. Penso, no entanto, ser já tempo de o deixar regressar à ficção de onde saiu. Por isso este poema será o último da série. Uma mensagem angustiada dirigida aos conquistadores de Granada, os reis que, depois desse feito, receberam o título de “Católicos”.


Isabel e Fernando

Dois leões lutaram pela mesma corça,
E vieram dois cães sarnentos e roubaram-na.
Por isso já Isabel pode lavar a camisa na água de Albaicín
E o rei pode beber das lágrimas de Aynadamar.

Vede, ó príncipes, com que cuidado foi posta cada pedra,
Em Granada, a esplêndida, e plantada cada rosa.
Uma mãe não veste a filha com mais carinho.
Contemplai os versos dos poetas
Que ornamentam as paredes da Alhambra,
E as palavras do Alcorão que as tornam veneráveis.
Granada curvou a cerviz perante a força das vossas armas.
Mas respeitai os vencidos e a memória dos que pereceram.
Perante as pedras e as rosas de Granada,
Dizei ao menos: “Como eles a amaram!”

Notas:

A luta dos dois leões refere-se à guerra entre El Zagal e Boabdil, seu sobrinho, que roubara o trono ao pai, Muley Assam, que morrera em 1585 e contra o qual também lutara. Os dois cães sarnentos são Isabel de Castela e Fernando de Aragão.
A referência à camisa de Isabel alude à lenda de que ela fizera o voto de não mudar a camisa enquanto Granada não fosse conquistada.
Nas “lágrimas de Aynadamar” há um jogo de palavras, porque Aynadamar é composta por “Ayn” (“olho”, com o significado de nascente), e “damar” significa “lágrimas, talvez como referência à maneira como surge a água nessas fontes que abastecem a zona alta de Granada, Albaicín, coração da cidade velha. Em Espanha, tal como no continente português, “olho” é com frequência sinónimo de nascente. Por exemplo no caso do começo do Guadiana (Ojos de Guadiana) ou numa nascente da zona do Cartaxo, chamada Olho do Senhor, ou Olho de Cristo, ou Olho do Senhor Santo Cristo.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ben Kassin (7)


A Despedida do Rei Boabdil de Granada, Alfred-Dehodencq

Longo é o caminho

É longo o caminho quando a minha amada me espera,
E lento o meu ginete, o mais veloz de Granada.

Não há lugar com mais gente do que um campo de batalha
Nem maior glória que o cansaço do vencedor.
Mas eu estou só quando não estou com a minha amada,
E a minha glória é descansar a cabeça no seu colo.


Como são valentes os guerreiros!

Como é valente o guerreiro em combate!
Isnar morreu a meu lado sem um queixume,
Cid foi despedaçado pelas patas de um ginete
E não chorou.
Eu fui ferido profundamente duas vezes,
Duas vezes correu o meu sangue em abundância,
Duas vezes caí, duas vezes me levantei.
Mas ninguém soube da minha boca que estive quase morto.
Como é valente o guerreiro!

Quando disse adeus à minha amada, chorei.
Como é fraco o guerreiro,
Que até uma frágil donzela o faz verter lágrimas!
Como é fraco nos braços da sua amada
Aquele que não teme a morte!


Morayma vendo partir Boabdil

Da mais alta torre de Granada
Vejo partir o meu amado para a batalha.
Choro, mas sem lágrimas,
Porque quero perceber até o último grão da poeira
Levantada pelos cascos do seu cavalo,
Forte como a morte
E belo como a vida.

Eu temo a coragem do meu amado.
Ele despreza a vida
Porque sabe que, na sua morte,
Eu o amarei mais ainda.
Mas amar mais do que eu amo já é só dor,
Já só é tristeza.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ahmed Ben Kassin (6)



Igreja de Mondújar, antiga mesquita onde foi sepultada Morayma

O rei Boabdil chorando a morte de Morayma

(Segundo um texto publicado pelo jornalista de Almeria Jesus Pozo, numa altura em que Fernando de Castela tinha como prisioneiros os filhos de Boabdil, este lamentou que a morte nunca quisesse nada consigo. Pouco tempo depois, Moyrama, a mulher que ele amou apaixonadamente, consultou o astrólogo Ben-Maj-Kulmut, que previu para o rei uma vida longa para que pudesse sofrer muito. Morayma sobreviveu pouco tempo à queda de Granada, e, apesar de Boabdil ser um homem ainda novo, não voltaria a casar-se.)


Morayma, minha amada, minha amada,
Já não sentes as carícias das minhas mãos
Nem o calor dos meus beijos.
Mas se eu pudesse deitar-me a teu lado,
Até no frio do teu corpo me aqueceria ainda.
Disseram os astros (ou foi maldição?)
Que longa me seria a vida
Para que longo fosse o meu sofrer.
Mas a minha dor é muito maior do que mil anos de vida.

Morayma, minha amada, minha amada,
Quem poderei culpar pela nossa morte?
A que Deus, a que demónio, a que força do destino
Atribuirei as culpas de estarmos mortos?
Ferindo uma só vez a morte fez duas mortes.
Morayma, minha amada, minha amada,
Como viverei sem ti?
Morayma, minha amada, minha amada,
Como poderei viver só com metade de mim?
Morayma, minha amada, minha amada,
Como viverei sem mim?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ahmed Ben Kassin (5)



Granada, Espanha

Durante o cerco de Granada

Eu partirei chorando as rosas de Granada,
E muito hei-de chorar pela mais bela de todas,
Aquela que eu amei como se fosse eterna.
E viverei sabendo o amor e a morte.

Mas se a espada infiel me ferir o peito,
Não tenha piedade do meu corpo
Nem tema o orvalho rubro que lhe tinja o gume,
Porque na morte eu talvez não saiba que estou morto.

Lágrima a lágrima verterei o meu sangue por ti, Granada.

Na queda de Granada

Vagueia por Granada um pranto mudo.
Uma adaga de dor fere-me o coração,
E a minha alma é como uma cota de malha
Rota pelo gume da cimitarra.

Há quem procure a piedade da morte.

Muito mais são as dores que as feridas,
Muito mais são as lágrimas que o sangue.

(O poema seguinte é uma metáfora, em que a amada é Granada, que caiu sem grande resistência.)

Em mãos infiéis

A minha amada desnudou-se e cobriu-se de vergonha.
Só a vergonha veste agora a minha amada.
A minha amada dormiu com o infiel,
Entregou-se nos seus braços e deitou-se na sua cama.
Esqueceu as juras de amor que eu lhe fizera
E deixou-se seduzir por falas mansas.

Como eu entendo que ele a tenha amado,
A ela, a mais amável de todas!

Oh, se eu pudesse tê-lo cegado antes que ele a contemplasse!
Mas não tocarei sequer um só dos seus cabelos,
Para não tornar mais infeliz ainda a minha amada.