domingo, 22 de novembro de 2009

Erros de Português


Trocas o “xis” com o “ésse”?
Procura igual em Inglês.
Splendid não te parece
Esplêndido em Português?
“Dispendere” é bom latim.
Gastar dinheiro compensa,
Se o despendes com o fim
De encher, e bem, a despensa.
Podes ter uma obsessão,
E podes ser obcecado.
Faz acto de contrição
Se acaso já tens errado.
Obcecar é ficar cego,
Mesmo se é paixão simpática.
Como homem, faz-te estratego
Para escolher bem a táctica.
Confundes o indirecto
E o complemento directo?
Pois pensa no Brasileiro
Que é Português verdadeiro,
Um pouco mais a cantar.
Se ouves dizer “dei a ele”,
Para o mesmo afirmar
Diz “dei-lhe”, que é o legal.
Ou, se ouvires “eu vi ele”,
Não hesites, diz “eu vi-o”,
À moda de Portugal.
Confundes com os pronomes
A desinência verbal?
Pois aceita o desafio:
O “mos” em lugar dos nomes
É caso raro, tão raro,
Que convém é não dizê-lo,
E melhor não escrevê-lo,
Porque te fica mais caro.
Se “mos” puderes trocar
Pela forma feminina,
Então podes separar.
Como tens cabeça fina,
Vou já exemplificar
Com damas e seus bordados,
Ou com damas e com rendas.
Oh! que lindos! Dá-mos, sim?
(E só te pedi as prendas
Dos seus dedos tão prendados.)
Mas se eu te dissesse assim:
Oh! que lindas! Dá-mas, sim?
(Bem podiam ser as rendas...
Ou as damas. É o fim.)

domingo, 8 de novembro de 2009

Isaac, a vítima perfeita

(Não pretendo transformar este espaço numa catequese bíblica ou algo que se lhe pareça. Deixo, no entanto, mais esta breve reflexão que pode ajudar a compreender a diferença entre o real e o narrado na Bíblia. E isto sem prejuízo de a história de Abraão e Isaac não ser mais do que uma mera parábola acerca da Fé, o que é a hipótese mais provável.)

Muito crescia o respeito de Abraão pelo Deus que adorava. De Quem ele percebera um dia a declaração de que era o Deus supremo. E terá chegado um momento em que se convenceu de que eram muitos mais os favores que ele e o seu povo haviam recebido de Deus do que aquilo que faziam para Sua maior glória. Era certo que também Lhe prestavam culto e ofereciam sacrifícios. Seria isso suficiente? E se não fosse?... E se Deus julgasse que não recebia de Abraão e da sua casa e do seu povo a veneração que merecia? Que não Lhe eram gratos como deviam por tantos benefícios – pelo sol e pela chuva, pelos pastos e pela saúde, pelos filhos e pelos netos?

Os outros povos sacrificavam aos seus deuses de maneiras variadas. Mas havia um sacrifício acima de todos os sacrifícios. Aquele que decerto amoleceria até o coração mais duro do mais inflexível de todos os deuses. Era o sacrifício de um próprio filho. Abraão pensou que Deus lhe exigia esse limite imenso do sofrimento. Como prova de amor, como pedido de auxílio e de clemência para si e para os pecados do seu povo. Daria desta forma testemunho máximo não apenas desse seu amor, mas também da sua fé. E que seria da sua descendência, que Deus prometera mais difícil de contar do que a areia do mar?... Talvez lhe viesse por Ismael, que Sara quisera ver expulso, com Agar, sua mãe, para que ele não herdasse um quinhão igual ao do filho das suas entranhas.

Abraão chamou Isaac para o acompanhar até aos montes de Moriá. Iria ali oferecer um sacrifício ao Senhor. O menino estranha que levem fogo e lenha mas nenhuma vítima para ser sacrificada. Abraão disfarça como pode a falta da vítima e a dor infinita que lhe esmaga o coração. Decerto que durante toda a caminhada se debate a respeito de aquela ser a vontade de Deus. Se fosse possível, seria ele mesmo que se ofereceria em sacrifício. Pelo bem do seu povo.

Já está pronto o altar para o holocausto. Depois disso, só restarão as cinzas de Isaac. Abraão contempla o filho vivo pela última vez. Dói-lhe mais a visão do cutelo do que se este lhe trespassasse a própria garganta. Então percebe uma voz interior que o manda suster o gesto que seria o último que Isaac veria na sua curta vida. E dá pela presença de um carneiro ali perto, que ficara preso num silvado. Esta vítima bastará ao Senhor. Que não quer nunca sacrifícios humanos. Num momento em que a fé de alguns israelitas se deixará cair na tentação da idolatria, Deus o dirá assim pela boca do profeta Jeremias: “Encheram este lugar com sangue de inocentes, e levantaram o lugar alto a Baal, para, em honra dele, queimarem os seus filhos em holocaustos, coisa que jamais prescrevi, nem falei, nem me veio ao pensamento.”

domingo, 1 de novembro de 2009

Abraão

Deserto de Wadi Rum (fotografia retirada de AtlasTours.Net)

Os Hebreus. “Homens poeirentos”, o que talvez seja o significado irónico da palavra com que eram conhecidos. Caminhavam no pó, surgiam do meio dele, desapareciam entre nuvens de poeira. Nómadas, não tinham morada certa. A sua casa era uma tenda, a sua pátria era o deserto. Como outros povos que ainda não tinham encontrado um pedaço de terra que pudesse ser seu. Onde crescesse erva em abundância e a água jorrasse em permanência. Onde pudessem semear umas lentilhas ou uns grãos de trigo. Homens sem pátria, sem casa e sem Deus. Talvez prestassem culto aos deuses dos altares que encontravam no seu caminho de vagabundos.

Um povo sem deuses seus, sem um ao menos, era um povo incompleto. Como uma família sem pai ou sem mãe. Poderiam fazer um ídolo. Mas com que nome? Com que poderes? Para os proteger de quê e em quê, se de tanto eram necessitados? E seria mais um empecilho a transportar nas longas jornadas. De qualquer modo, saberiam sempre que ele teria sido fabricado pelas suas próprias mãos, que teria sido uma invenção sua. E compreendiam que a imaginação não faz a realidade.

Mas um dia, ou ao longo de vários dias, ou até durante anos sucessivos, por palavras ouvidas ou apenas no íntimo da sua mente, Abraão percebeu que alguém se lhe revelava. Alguém que se dizia o seu Deus e o Deus do seu povo. Um Deus sem imagem física, que nem sequer tinha um nome nem um rosto. Que caminharia com ele e com o seu povo, que estaria sempre com eles.

Os Hebreus foram-se afeiçoando a esse Deus desconhecido. Dele só sabiam que era o seu, e isso lhes bastava. Já eram, agora, uma família completa. Os outros povos talvez continuassem a escarnecer deles, mais ainda do que antes, por estarem convencidos de que tinham um Deus que não precisava de corpo nem de feições.

Deus tivera o cuidado de não dizer muito de Si mesmo. Nem sequer que era o único. Porque Abraão, e sobretudo a sua gente, dificilmente acreditariam nisso. Vivendo entre povos que prestavam culto a muitos deuses, ninguém poderia imaginar que afinal nenhum deles fosse verdadeiro, e que o único era aquele que Abraão dizia ter-lhe falado. Um Deus menor, sem dúvida, como menor era o povo que o proclamava seu.

A fé de Abraão foi aumentando. E a sua confiança tornou-se ilimitada quando Deus cumpriu a promessa de Sara, sua mulher, lhe dar um filho apesar da idade já muito avançada. Ela chegara a compadecer-se tanto do marido que até lhe oferecera Agar, sua escrava egípcia, para nela gerar descendência.

Entretanto, Abraão já percorrera um longo caminho. Partindo de Ur, sua terra natal, e tendo passado por Babilónia e Mari, chegara a Haran. E fora aqui, onde, tal como em Ur, se adorava a mesma deusa que habitava a Lua, que começara a receber a revelação divina. Depois seguira para sul, porque Canaã era o seu destino. Terá passado por Karkemish, Alepo e Damasco, fixando-se em Siquém. Mais tarde, em tempo de uma grande fome, procurou refúgio no Egipto, que era o sonho de todos os famintos por causa da abundância de colheitas que cresciam nos aluviões do Nilo.

Quando regressou do Egipto, montou as suas tendas perto dos carvalhos de Mambré, junto ao Hebron. E aí ergueu um altar ao Senhor, como antes fizera num monte a oriente de Betel. Um altar vazio. E já então Melquisedec, sacerdote e rei de Salém, celebrara com pão e vinho uma vitória de Abraão contra os inimigos que tinham feito prisioneiro seu sobrinho Lot. E saudara o patriarca dizendo: “Bendito seja Abraão pelo Deus Altíssimo que criou os Céus e a Terra.”

Abraão terá percebido que o seu Deus de algum modo também se ia revelando à inteligência de outros homens de boa vontade. O Deus que lhe manifestara a existência e prometera a protecção do seu povo era, afinal, Senhor de toda a humanidade.