tag:blogger.com,1999:blog-23595925066419902522024-03-13T00:18:20.731-01:00O EspólioDaniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.comBlogger86125tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-61092177715226452262011-12-15T23:46:00.001-01:002011-12-16T00:37:50.508-01:00E Os Seus Não O Receberam (Ou “el cuento de las chocolatinas”)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-DzvZHyf7i00/TuqTrvkctzI/AAAAAAAAAOk/ElqqA6wqiKw/s1600/magui.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="211" src="http://2.bp.blogspot.com/-DzvZHyf7i00/TuqTrvkctzI/AAAAAAAAAOk/ElqqA6wqiKw/s400/magui.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: center;">Imagem do blog <a href="http://mavs-mipequenomundo.blogspot.com/2011/08/una-carta.html">Mi Pequeño Mundo</a></div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"></div><div align="center" class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;"> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A D. Juan Aguirre, Bispo de Bangassou<o:p></o:p></i></div><div align="center" class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><br />
</i></div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Juanjo (Juan José Aguirre Muñoz) nasceu em Córdova, destinado a uma vida de bem-estar material. Mas, aos dezassete anos, decidiu ser missionário. Fomos companheiros em Moncada (Valência). Um dia, contei-lhe este conto, que publicara no jornal </i><b>Açores</b><i style="mso-bidi-font-style: normal;">. O Juanjo gostou. E, de vez em quando, pedia-me: “Cuéntame el cuento de las chocolatinas.” (“Conta-me o conto dos chocolates.”) E eu contava. E aqui o conto outra vez. Em Bangassou, num dos países mais pobres do Mundo, a República Centro-Africana, pode ser que ele o leia qualquer dia, e volte a gostar. <o:p></o:p></i></div><div align="center" class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;">* * *<o:p></o:p></div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">Deixara um rasto de Bem na Sua passagem pelos povoados da Samaria, de Judá e da Galileia. Dera vista a cegos e devolvera os paralíticos aos caminhos; sarara os leprosos e até ressuscitara mortos. (Chorara por Lázaro, sabendo como fora doloroso que ele morresse. Teria corrido, a curá-lo, para evitar-lhe a agonia da morte. Mas tinha sido preciso que os homens presenciassem mais um milagre espantoso para que não duvidassem do Verbo de Deus.) Como Deus, tudo Lhe era eterno. O sofrimento e a dor confundiam-se já com a bem-aventurança no Céu. O agora de Deus não era o mesmo que o dos homens. Vinha dos tempos da Criação, estava no futuro, coexistia com o presente. Deus vivia o antes e o depois, sem antes e sem depois. No Seu Sermão da Montanha, Cristo, o Deus, via já todos os pobres no Seu Reino; os que choram, consolados; os famintos de justiça, saciados. Mas Jesus, o Homem, vivia no tempo. Assistia ao avolumar do tumor dos cancerosos, ao penoso caminhar dos cegos, à imobilidade dos paralíticos. Jesus sentia o antes e o depois, compreendia o medo e a dor, sabia que o agora, fulminante clarão da Eternidade, era todo o tempo que os homens conheciam. </div><div align="center" class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;">* * *</div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">Naquela noite, tantos séculos depois de Se ter revelado na Samaria, Jesus descera à Terra sem que ninguém pudesse reconhecê-Lo. Era como se não fosse mais do que um homem solitário, razoavelmente vestido, passando por raros caminhantes que não O cumprimentavam. Deixara dito que todas as pessoas são Ele. E queria voltar a ver, com olhos humanos, o que fora aprendido da lição que dera. Gatos vadios e cães miseráveis, nessa noite bem alimentados por uns restos de fartura, desviavam-se calmamente para Ele passar. Todas as janelas exibiam estrelas de paz e mensagens de amor. As ruas coloriam-se de muitas luzes de harmonia e júbilo. Jesus estaria feliz, se as coisas também sentissem. Mas o caminhar solitário, do homem vulgar que parecia ser, bastaria para lembrar-Lhe todos os sós que sofriam, num mundo de homens, como se não houvesse Deus nem outros homens. Numa casa mais pobre do que as mais pobres que vira, Jesus deteve-Se. A porta, meio aberta, mostrava um pequenino mundo de miséria: um candeeiro de petróleo iluminava uma lâmpada apagada, uma mesa vazia, duas cadeiras, um armário envelhecido, um calendário antigo com uma Imaculada de Murillo, e uma mulher ainda jovem que fazia renda, sentada num catre tapado por cobertores muitas vezes remendados. Bateu suavemente, e entrou. A mulher, habituada a visitas de homens a meio da noite (que se iam tornando cada vez mais raras), estranhou a mansidão do chamamento e a dignidade que parecia brilhar no desconhecido. Os filhos dormiam num quarto ao lado. Era sempre preciso que dormissem àquela hora. </div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><br />
</div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">“O Senhor dever ter-se enganado, ao entrar aqui.” Nunca fora procurada por um homem com um olhar tão puro. Não se sentia à vontade com a presença Dele. “Sou uma pobre viúva…” Ia tentar explicar-se, mas Jesus suspendeu-lhe as palavras: “Eu sei.” E disse-o com tal segurança, que a mulher acreditou que Ele sabia tudo a seu respeito. “Os meus filhos deitaram-se com fome, sonhando com brinquedos e chocolates.” Também isso Ele sabia. E que todos os anos era assim e nunca despertavam para um dia mais feliz. “Podes dar-Me um copo de água?” A mulher não estranhou o pedido. E pareceu satisfeita por dar alguma coisa àquele homem. Jesus bebeu e despediu-se. </div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><br />
</div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">Pelas ruas novamente, caminhou mais triste. Já saciara uma multidão faminta com cinco pães e dois peixes. Mas esse milagre estava nos planos de Deus para que o Mundo acreditasse Nele. Àquela hora, milhões de crianças dormiam com fome ou choravam por pão e sem brinquedos. Não devia, escolhendo aquelas ao acaso, violar as leis da Natureza ou obrigar os homens a serem misericordiosos se não lhes apetecia a misericórdia. E foi, de porta em porta, pedir “brinquedos e chocolates para os filhos de uma viúva pobre.” Riam-se Dele. Ou, simplesmente, não O levando a sério, desculpavam-se por não terem algo a mais que dar. Numa igreja, onde acabavam de celebrar a Missa em Sua honra, Jesus entrou. Ali, estava entre os Seus. Subiu o templo devagar, e foi juntar-Se a um grupo que falava alegremente, na sacristia, da campanha pelos pobres nesse Natal. Receberam-No de boa vontade, e Ele pediu “brinquedos e chocolates para os filhos de uma viúva pobre”. Quiseram saber quem era ela, e Ele explicou. Ouviu: “Ah! essa mulher não presta!” Os homens continuavam a não perceber. Alguém, convidando-O a ficar, ofereceu: “Vamos fazer um brinde ao Menino!” </div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><br />
</div><div class="Estilo" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">E Jesus, triste, de uma tristeza que ninguém compreenderia, despediu-Se: “Eu preferia brinquedos e chocolates.”</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-45860805357938865202011-05-23T00:18:00.000+00:002011-05-23T00:18:14.159+00:00Os Nós e os outros<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-9WnV3j7HmA8/Tdmm1jBaUNI/AAAAAAAAAOg/7hdCRFI2ur4/s1600/Guadalupe.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="244" src="http://1.bp.blogspot.com/-9WnV3j7HmA8/Tdmm1jBaUNI/AAAAAAAAAOg/7hdCRFI2ur4/s320/Guadalupe.png" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Mosteiro de Nossa de Guadalupe (origem da fotografia: <a href="http://www.spainonline.com/">http://www.spainonline.com/</a>)</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Sentado na beira do tanque em frente ao mosteiro de Nossa Senhora de Guadalupe, Don Antonio Mayoral. Numa esplêndida tarde que tardava em acabar, o Sol morria. Falou-me dos Republicanos. E mostrou-me o indicador direito, torto, rígido, como um mapa feito de cicatrizes. Disse: “Foram eles que me fizeram isto…” Certamente haveria mostrado aquele dedo centenas ou milhares de vezes, e dito centenas ou milhares de vezes “foram eles que me fizeram isto”. Perguntei-lhe: “Já pensou que também fez isso a eles?” E com Don Antonio fiquei triste quando, tristemente, como se nunca tivesse pensado que havia eles no mesmo lado do sofrimento, respondeu: “É verdade…”</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"> </div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-90101648951593495042011-05-11T12:39:00.002+00:002011-05-11T15:11:02.926+00:00Crítica de Cinema (ficção)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-XsVv_C6VzSM/TcqDC67i6jI/AAAAAAAAAOY/Ns2z-hD0AGE/s1600/Anschluss+Alice+in+Wonderland.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-XsVv_C6VzSM/TcqDC67i6jI/AAAAAAAAAOY/Ns2z-hD0AGE/s1600/Anschluss+Alice+in+Wonderland.jpg" /></a></div><div style="text-align: center;"><i>Anschluss. Alice no País das Martavilhas</i>, 1942 Oskar Kokoschka</div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span id="goog_1298813057"></span><span id="goog_1298813058"></span></b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: center;"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal" style="text-align: center;"><i>Os Caídos</i>, de Thorsten Borg</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Thorsten Borg, um bom nome para um concurso de televisão. A pergunta poderia ser: “Onde nasceu o realizador Thorsten Borg? a) Alemanha; b) Brasil; c) Áustria; d) Estados Unidos. Embora por um acaso forçado, a resposta certa é b). <b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">O pai, Hagen Borg, alemão e ariano, foi perseguido pelo nazismo. Fotógrafo amador, natural de Aachen, a Aix-la-Chapelle de Carlos Magno, onde vivia, era filho de um realizador menor neo-realista. Hagen fotografou sobretudo gente e cenários o mais possível semelhantes àqueles que o pai filmara. A exposição de meia centena das suas fotografias no início da Primavera de 1938 – uma sucessão de mendigos, bêbados, casebres e cemitérios – lançou sobre si a maldição. A má consciência nazista, que dias antes impusera a “Anschluss” à frágil Áustria, terá entendido a exposição como uma crítica miserabilista ao seu conceito de raça superior. A Gestapo queimou as fotografias, vasculhou a casa à procura de outras, que também destruiu, e passou a vigiar os seus dias e as suas noites. Mas Hagen Borg escondera as cópias, livrando-as assim do fogo do nazismo. E, sob um ténue crescente de Verão, ele e a mulher escaparam à vigilância e atravessaram a pé a fronteira com a Bélgica, indo até Plombières. Poucas semanas mais tarde, chegariam ao Rio Grande do Sul. Hagen levava uma maleta com as fotografias, a mulher levava no seio a filha mais velha. Thorsten teria de esperar ainda uns pares de anos pela sua oportunidade de nascer.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">A ideia para o guião é melhor que o filme. A história – o realizador tentou contar uma história, embora pareça que não – nasce das personagens e dos cenários da exposição maldita. O momento em que as figuras e as paisagens fotografadas ganham vida é a sétima arte no seu estado mais puro. Por isso é difícil desculpar a maior parte do resto. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Thorsten Borg reconstitui a exposição de Aachen. Depois, dando um grande plano de cada fotografia, transforma os retratos de pessoas em personagens reais. Os casebres animam-se pelo movimento do fumo, um cão que ladra ou um gato que se espreguiça ao sol. Um sol que mais se subentende do que se percebe, porque o preto e branco da película é uma espécie de preto e cinzento. Monotonia quebrada pelo inesperado clarão do rebentamento da granada de um obus, supostamente na sua cor real. (Influência da menina do casaquinho vermelho, de “A Lista de Schindler”, de Spieldeberg? Talvez.) Com este clarão se anuncia a melhor sequência de “Os Caídos”, que parece inspirada numa das mais arrepiantes da “Vergonha”, de Bergman. Num dos casebres estão, aterrorizados, um casal de idade indefinida, um mendigo cego e uma surda. Mas aquele rebentamento e os que se lhe seguem são a prova de que o cinema nos habituou a um irrealismo que já não dispensamos. O clarão não é acompanhado pelo barulho da explosão, que só se ouve alguns segundos depois. À medida que o relâmpago das explosões aumenta de intensidade, tornando-se quase insuportável, o tempo até ao estrondo vai diminuindo com o encurtar da distância. Esta falta de sincronismo entre o clarão e o som é a tal realidade a que o cinema, que faz coincidir relâmpago e trovão, nos desabituou. A surda estremece a cada clarão, mas o cego só fica apavorado com os estrondos, que não a perturbam. Ambos haviam procurado a companhia do casal para estarem menos sós nos seus medos. O marido e a mulher permanecem abraçados, tremendo, como que querendo livrar-se de um frio gélido, com os olhos escondidos nos ombros um do outro. Nas últimas imagens da sequência, clarão e estrondo são simultâneos, e o casebre desaparece.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Na sequência anterior, Thorsten Borg fizera-nos sentir piedade pelos donos da casa. Na fotografia da exposição, a família, que se benze, está completa à mesa – o casal e três filhos. No filme, a cena acaba quando o pai, concluída a oração, pega na colher. Na cena seguinte, os filhos são já dois somente. Depois, apenas um. Finalmente, só o homem e a mulher. Borg põe então o casal sozinho a sentar-se para comer uma meia dúzia de vezes, diminuindo sempre a sopa e o pão. Até que se chegam ambos à mesa vazia, benzem-se como habitualmente mas não rezam, e retiram-se. Nos fotogramas das imagens dos destroços do casebre, Thorsten Borg sobrepôs umas gotas (talvez lágrimas) que escorrem como se alguém chorasse sobre a película ou a própria tela. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">O realizador deu vida também a um dos cemitérios. E dar vida a um cemitério é enchê-lo de mortos. Penosamente assiste-se ao enterro de várias das personagens das fotografias e do filme. Em cada funeral há um acompanhante a menos – o que imediatamente antes fora a enterrar.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">O problema de “Os Caídos”… são vários. Da cor, ou da ausência dela, já foi dito. Para fazer um “travelling”, a câmara parece ficar à espera de que o cenário se mova. E os actores são muito melhores no seu papel de mortos do que no de vivos. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Quando, triunfantes, surgiram as há muito desejadas quatro letras, ENDE (fim), corri para a porta para ver se ainda havia Sol. Felizmente, havia. </div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-3614796016284142892011-04-25T22:40:00.000+00:002011-04-25T22:40:18.264+00:00Camões em duzentas e tal palavras<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-8uchLJooc0o/TbX4J7-ITvI/AAAAAAAAAOQ/h8DcClQwGpw/s1600/os-lusiadas-luiz-vaz-de-camoes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://1.bp.blogspot.com/-8uchLJooc0o/TbX4J7-ITvI/AAAAAAAAAOQ/h8DcClQwGpw/s320/os-lusiadas-luiz-vaz-de-camoes.jpg" width="223" /></a></div><!--StartFragment--> <br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Se eu disser que ontem encontrei Camões, quem ouvir espanta-se até ao infinito ou chama-me doido. Corro o risco. Encontrei o vate, sim. “Um perdigão depenado”, como no filme de Leitão de Barros. Incapaz de fazer uma canção, uma endecha, uma estrofe que lhe não enxovalhe a fama. Insisti. Dei-lhe a minha palavra de que não venderia o autógrafo. Que valeria uma fortuna maior do que ele ganhou a poetar a vida inteira. Seria um insulto. O original, guardo-o ciosamente. A transcrição vai abaixo. Talvez com falhas. A sua caligrafia é mais difícil de entender que a do Vergílio Ferreira.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal">Sam taes os dões na Lingua Portugueza,</div><div class="MsoNormal">Tam forte, femenil, e tam fermosa,</div><div class="MsoNormal">Como erão na latina. Tal belleza,</div><div class="MsoNormal">Despois na nossa posta, é mais famosa.</div><div class="MsoNormal">Mas a patria christã da-me a certeza</div><div class="MsoNormal">D’esta sentença fea e desditosa:</div><div class="MsoNormal">Se eu vivera outra vez, morria à mingua,</div><div class="MsoNormal">Pois ja ninguém entende a minha lingua.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Forão sutis mudanças a mudalla,</div><div class="MsoNormal">A pouco e pouco sempre em crecimento,</div><div class="MsoNormal">Que ja eu nam consigo bem uzalla</div><div class="MsoNormal">Porque foi mui disforme tal augmento.</div><div class="MsoNormal">Mas inda assi nam deixarei de amalla</div><div class="MsoNormal">Que a lingua tãobem é um sintimento.</div><div class="MsoNormal">E por tanto da lingua estar ja morto,</div><div class="MsoNormal">Eu sinto, por ser morto, algum conforto.</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-57239846404273099912011-04-07T20:01:00.004+00:002011-04-09T10:51:15.573+00:00A Academia Popular da Língua<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-v8GBFdyzhCY/TZ4VbFOV-II/AAAAAAAAAOM/Qpm7pKkj1QA/s1600/Carta-caminha.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="http://2.bp.blogspot.com/-v8GBFdyzhCY/TZ4VbFOV-II/AAAAAAAAAOM/Qpm7pKkj1QA/s400/Carta-caminha.png" width="287" /></a></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="-webkit-border-horizontal-spacing: 2px; -webkit-border-vertical-spacing: 2px; font-family: sans-serif; font-size: 12px; line-height: 18px;"><i>Fac-símile da carta original de Pero Vaz de Caminha quando do aportamento da expedição de Cabral em terras brasileiras. (imagem de domínio público)</i></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="-webkit-border-horizontal-spacing: 2px; -webkit-border-vertical-spacing: 2px; font-family: sans-serif; font-size: 12px; line-height: 18px;"><i><br />
</i></span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="-webkit-border-horizontal-spacing: 2px; -webkit-border-vertical-spacing: 2px; font-family: sans-serif; font-size: 12px; line-height: 18px;"><i> </i></span></div><i></i><br />
<i></i><br />
<i></i><br />
<i><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><br />
</b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Houve um tempo em que muito mais que agora se estimava a Língua Portuguesa. Por isso no 2º Ciclo do Liceu se estudava a sua evolução e os seus autores mais notáveis, desde os gentis trovadores ao magnífico Aquilino. Mas nessa viagem que acompanhava a cronologia estava um dos tropeços do programa. O percurso teria sido mais fácil se feito ao contrário, começando na linguagem familiar dos contemporâneos e acabando no suave trovar dos antigos. E assim, sem mais penas que as necessárias, teríamos ido do morrer de amor de Ana e Simão até ao “moiro d’amor” de D. Dinis, passando pelo “moura e pereça” de Luís Vaz. </span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Faz parte da natureza da Língua evoluir. Nem o Latim deixou de mudar quando se tornou numa língua dita morta, pois continua vivo na herança directa das sete línguas latinas e seus dialectos, nas várias que receberam dele grande parte do léxico e até na taxonomia. Mas os legionários que Roma recrutara nos quatro cantos do Império, e que nos trouxeram uma língua já algo distinta da que se falava no Lácio, tê-la-ão feito evoluir? Ou corromperam-na, conforme pensava Vénus pela pena de Camões? E, se talvez nenhum deles falasse da mesma maneira que por esse tempo Cícero escrevia ao seu amigo Ático, ainda falariam Latim? </span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Foi nessa transfiguração da língua do Lácio que continuou a ser forjado o Português. De celtas e outros povos tinham ficado vocábulos que permaneceriam até hoje, e mais tarde se lhe iriam juntando muitos de árabes, guaranis, chineses, quimbundos, de todos os povos com quem aprendemos novidades, fosse a do ornamental azulejo ou a do exótico maracujá, a do reconfortante chá ou a da pobre senzala. E por onde íamos também íamos ajudando a cumprir esse fadário das línguas, o de serem mudáveis. Mas se a Língua não é imutável no léxico, tão-pouco o são em si mesmas as palavras que o constituem, até porque desse pecado original é que todas nascem e se desenvolvem. E é também nessa inconstância que os apoiantes do Acordo Ortográfico encontram abrigo para a defesa das suas posições. Mas será legítimo impor regras politicamente legisladas ao que por sua natureza é património colectivo e responsabilidade partilhada da nação? A primeira grande intromissão do poder político nas leis que regem a Língua aconteceu com a iconoclasta República, que não se limitou a mudar de rei para presidente, mas mudou também a bandeira, o hino, a moeda e a própria ortografia, tendo tentado mesmo intervir no espírito religioso popular. Como se do Portugal com quase oito séculos nada pudesse ficar para memória futura. </span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Sim, esta língua tem vindo a mudar sempre, desde que o Latim perdeu as declinações e se adaptou ao rude falar dos legionários e dos povos conquistados, tornando-se no latim dito bárbaro ou vulgar. E todas essas mudanças e as que aconteceram depois se deveram à necessidade de facilitar a comunicação, a características naturais da fonação ou a erros dos falantes, que de tão repetidos passaram a ser norma. Mas esta alteração da norma não surgia por acaso nem por geração espontânea. Os portugueses enamorados não adormeceram numa qualquer noite morrendo de soydade pela mulher amada, para despertarem na manhã seguinte com a saudade tão viva como na véspera. Diferentes formas para a escrita, ou a própria prosódia, da mesma palavra têm coexistido sem conflito durante décadas, talvez séculos. Segundo os escrivães de D. Manuel I, o poderoso rei ora regulava o comércio do “assucar”, ora oferecia umas quantas arrobas de “açucar” a quem lhe aprouvesse. Ainda no mesmo século, o XVI, não faltou quem satisfizesse a gulodice com doces torrões de “assuquere”. Mas, no século XVII, já não havia dúvidas. E todas as palavras que em Árabe começassem como aquela (as’sukkar) haveriam de ficar no Português com o princípio em “aç”, como açucena ou açude. Por vezes, ao fim de muito tempo de tal coexistência, os dicionaristas – definitivos sancionadores do padrão da Língua –, vencidos pela persistência de diferentes grafias, registavam as variantes. E assim temos, por exemplo, “disfrutar” e “desfrutar”, ou “lâmpada”, “lampa” e “alâmpada”, todas elas de curso legal segundo os dicionários. (São vários os casos da prótese do artigo com o substantivo, alguns mesmo da preposição com o verbo. E foi muito comum a escrita de preposições, copulativas e artigos juntando-os às palavras que regiam. Ainda no século XVIII acontecia, v.g. “o padre tirando-o com toda areverencia, o entregava com toda a decencia” – Dietário do Mosteiro de São Bento da Bahia, transcrição de Alícia Duhá Lose. Ou “todas asindulgências que osenhor capelão”, “efoi corista en oanno demil equinhentos” – relatório do vigário do Cartaxo sobre o estado em que ficou o concelho depois do terramoto de 1755, transcrição do autor.) </span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Para a evolução da Língua, no princípio foi o povo, que nunca se demitiu dessa função. Para a fixação da norma, embora muitas vezes transitória, terão servido de modelo cronistas de El-Rei, poetas e escritores como Camões ou Vieira, Camilo ou Herculano. O século XX tornou-se sobretudo o tempo do império dos jornais, para a grafia, e da rádio e da televisão, para a prosódia. Acerca desta surge uma das polémicas do Acordo. Há os que dizem que a alteração da grafia talvez a altere também, e há os que o negam. Se do futuro nada se pode afirmar, do passado temos exemplos variados de como a grafia muitas vezes condiciona a pronúncia. Dois casos recentes são “paisagem” e “saudade”. Aquela, que deriva de “país”, embora por via do Francês, escrevia-se com trema para que a raiz fosse respeitada – “PAÏSAGEM”. E “saudade”, também para desfazer o ditongo, tinha direito a trema igualmente – “SAÜDADE”. Desaparecido um e outro, poucos são os que ainda dizem “pa-i-za-jem”, enquanto que alguns já pronunciam “sau-da-de”. A nossa “idéia” já foi assim, acentuada como ainda é a brasileira. O que se justificava pela diferença prosódica em relação ao mesmo ditongo, em “cheia” ou “areia”, por exemplo. Eis, pois, outro caso em que a perda do acento exerceu influência em alguns falantes do português de Portugal. E, se a pronúncia do Norte tivesse persistido na prosódia nacional, pois então o Porto certamente haveria de ser uma “NAÇAÕ”, tendo-se mantido o til sobre a vogal final, que aí era o seu lugar. Curiosamente, foi ainda assim que foi escrito no referido Dietário do Mosteiro de São Bento da Bahia. </span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Quanto ao “e” em sílaba inicial, tem-se tornado uma vítima do sistema… É frequente não ser lido com o som de “i” em casos em que assim deveria ser. Por exemplo “Emanuel” que, no entanto, já se escreveu “Immanuel” ou “Imanuel”, acontecendo o contrário com “igreja”, que já foi “egreja”. Prova de que “Emanuel” sempre foi para ser dito “IMANUEL” e “igreja” já seria assim, mesmo quando era “egreja” devido à sua origem greco-latina.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">O grande argumento dos defensores do Acordo é o da conveniência de harmonizar o Português em todo o espaço onde se o fala. Mas não serão as ausências de uns velhinhos “pês” ou de uns inocentes “cês” que facilitarão a comunicação com quem tiver aprendido Português depois de adulto. A maior dificuldade está relacionada com a riquíssima diferença do léxico e da prosódia dos países lusófonos em relação a Portugal. Com essas características o Acordo, obviamente, não se atreve a bulir. E felizmente não poderia fazê-lo, ainda que o tivesse querido. Por isso apenas resolve uma ínfima e superficial parte do problema. Tanto mais que, permitindo grafias duplas, acaba por criar alguma confusão entre prosódia (pessoal ou de grupo social) e ortografia. Os jornais que aderiram de imediato às novas regras têm demonstrado isso mesmo. </span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Nenhuma mudança repentina é fácil de aceitar. Uma experiência curiosa, e de certo modo extravagante, foi feita por Juan Ramón Jiménez, que chegou a usar sempre a letra “z”, para representar a fricativa dental surda, e o “j” em vez do “g” gutural. E se isto não adulterou a qualidade da tradução de Tagore, feita por Zenóbia, sua mulher, e por ele, tão-pouco trouxe algo de novo à língua castelhana, que de modo algum se interessou por tal simplificação. O pior incómodo, no entanto, era de natureza estética. Porque a estética também é um hábito.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Enfim, a República, que tirou à Língua o “p” de Egipto e o devolveu em 1945, agora que o apagou novamente bem poderia voltar a pô-lo no seu lugar. Por razões muito faladas já. E que nos fosse permitido continuar a distinguir os olhos dos ouvidos (óptico e ótico), ou que o “c” segurasse o tecto, contra todas as dúvidas… Porque o que é novo nem sempre é melhor do que o antigo.</span></div></div></i>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-37118839673453142752011-03-02T00:25:00.000-01:002011-03-02T00:25:04.258-01:00Dia do Filho<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh4.googleusercontent.com/-5IEYtL-zLz0/TW2bh7NPmPI/AAAAAAAAAOI/DlRac_9vNmQ/s1600/Vancouver_por_do_sol.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" l6="true" src="https://lh4.googleusercontent.com/-5IEYtL-zLz0/TW2bh7NPmPI/AAAAAAAAAOI/DlRac_9vNmQ/s320/Vancouver_por_do_sol.jpg" width="320" /></a></div><br />
<br />
<em>(Mensagem enviada a Daniel Abrunheiro, a propósito do tema que nela consta)</em><br />
Meu Caro<br />
<div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A tua homenagem à Mãe está demasiado bela para que eu nada diga. Se na escrita se pode ser sublime, tu foste, neste caso. Mas para uma Mãe nada é nunca demais. E com a Mãe tudo pode acontecer, até o que chega a assemelhar-se a ficção de novela barata ou a romance com pouca imaginação. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu também tive Mãe. Mãe milagrosa. Mãe capaz do impossível. Dela nasci numa casinha abaixo daquela que pertencia ao meu avô, seu pai. Numa noite de tempestade, com os vagalhões a rebentarem a trinta metros de distância e os relâmpagos a caírem como se fosse ao lado. Outra luz que não a deles, só a do azeite de gata, que era o combustível possível desse tempo de guerra ainda. Enquanto na Europa continental os dois lados do conflito se esmeravam nos pormenores finais da morte, mais um milagre da vida acontecia. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O maior milagre da minha Mãe, que era ela ser como era, durou até um ano em que nada fazia pensar que fosse o seu último. E aconteceram coisas estranhas, que só por ela ser Mãe podem ter acontecido. E em que eu, se me contassem de qualquer outra, não acreditaria. Estava-se por Janeiro ou Fevereiro, e a minha irmã preocupada já porque em Agosto iria uns dias para Santa Maria. Queria ter a certeza de que a nossa Mãe ficava bem. Ela disse que a minha irmã não se preocupasse – morreria antes de Agosto. Minha irmã, céptica quanto a presságios, não acreditou. Para ter a certeza de que ela estava de perfeita saúde, como parecia, quis que fosse internada por um dia ou dois, no Hospital do Espírito Santo, para fazer exames completos. Entrou sem qualquer doença, saiu de lá para morrer mais perto de nós. Porque foi apanhada por uma infecção hospitalar que o organismo suportou bem, mas não resistiu a uma segunda. Foi preciso até privá-la da fala para que pudesse respirar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Depois… depois já era Julho. O último dia de Julho, com um sol esplêndido. Eu tinha estado com ela até meio da tarde. Chamaram-me à pressa. Pareceu-me praticamente morta. Disseram-lhe que eu estava ali. Ela abriu os olhos. Ainda conseguiu erguer um pouco a cabeça, para me beijar. Fez o sorriso mais belo que terei visto na minha vida inteira. Percebi que os seus lábios se moviam a dizer a mesma saudação de sempre: “Meu querido filho!” E morreu, como nos tais romances, como nos filmes. Primeiro um sono profundo, breve, depois o derradeiro, o para sempre. Era Julho, quase Agosto. Uma tarde linda, sem nuvens, sem outras sombras. A minha sobrinha Lurdes estava ao pé de mim. Abraçámo-nos a chorar. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O relógio da cozinha da Lurdes parou às 7h 24m. A hora exacta a que minha Mãe morreu. Não era preciso que Ele me dissesse, assim, que a minha Mãe era um anjo. Eu sempre o soube.</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com18tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-17925045846164785342011-02-27T23:44:00.000-01:002011-02-27T23:44:56.314-01:00Ahmed Ben Kassin (8)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh5.googleusercontent.com/-X4JN8V34rHQ/TWrvk7IjwhI/AAAAAAAAAOE/eoe_zW4BLFo/s1600/Albaicin.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://lh5.googleusercontent.com/-X4JN8V34rHQ/TWrvk7IjwhI/AAAAAAAAAOE/eoe_zW4BLFo/s1600/Albaicin.jpg" /></a></div><br />
<!--StartFragment--> <br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i>Com certeza já todos os amigos que aqui têm vindo perceberam que Ahmed Ben Kassin é um poeta que eu mesmo criei. Penso, no entanto, ser já tempo de o deixar regressar à ficção de onde saiu. Por isso este poema será o último da série. Uma mensagem angustiada dirigida aos conquistadores de Granada, os reis que, depois desse feito, receberam o título de “Católicos”.</i></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Isabel e Fernando<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Dois leões lutaram pela mesma corça,</div><div class="MsoNormal">E vieram dois cães sarnentos e roubaram-na.</div><div class="MsoNormal">Por isso já Isabel pode lavar a camisa na água de Albaicín</div><div class="MsoNormal">E o rei pode beber das lágrimas de Aynadamar.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Vede, ó príncipes, com que cuidado foi posta cada pedra,</div><div class="MsoNormal">Em Granada, a esplêndida, e plantada cada rosa.</div><div class="MsoNormal">Uma mãe não veste a filha com mais carinho.</div><div class="MsoNormal">Contemplai os versos dos poetas </div><div class="MsoNormal">Que ornamentam as paredes da Alhambra,</div><div class="MsoNormal">E as palavras do Alcorão que as tornam veneráveis.</div><div class="MsoNormal">Granada curvou a cerviz perante a força das vossas armas.</div><div class="MsoNormal">Mas respeitai os vencidos e a memória dos que pereceram.</div><div class="MsoNormal">Perante as pedras e as rosas de Granada,</div><div class="MsoNormal">Dizei ao menos: “Como eles a amaram!”</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b>Notas:</b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i>A luta dos dois leões refere-se à guerra entre El Zagal e Boabdil, seu sobrinho, que roubara o trono ao pai, Muley Assam, que morrera em 1585 e contra o qual também lutara. Os dois cães sarnentos são Isabel de Castela e Fernando de Aragão.</i></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i>A referência à camisa de Isabel alude à lenda de que ela fizera o voto de não mudar a camisa enquanto Granada não fosse conquistada.</i></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i>Nas “lágrimas de Aynadamar” há um jogo de palavras, porque Aynadamar é composta por “Ayn” (“olho”, com o significado de nascente), e “damar” significa “lágrimas, talvez como referência à maneira como surge a água nessas fontes que abastecem a zona alta de Granada, Albaicín, coração da cidade velha. Em Espanha, tal como no continente português, “olho” é com frequência sinónimo de nascente. Por exemplo no caso do começo do Guadiana (Ojos de Guadiana) ou numa nascente da zona do Cartaxo, chamada Olho do Senhor, ou Olho de Cristo, ou Olho do Senhor Santo Cristo.</i></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-40727716863929087342011-02-21T00:05:00.000-01:002011-02-21T00:05:31.388-01:00Ben Kassin (7)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-UTY3yED7QkE/TWG5e0fQb0I/AAAAAAAAAOA/AYw6dwCsEiM/s1600/Alfred-Dehodencq-The-Farewell-of-King-Boabdil-at-Granada.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="http://4.bp.blogspot.com/-UTY3yED7QkE/TWG5e0fQb0I/AAAAAAAAAOA/AYw6dwCsEiM/s400/Alfred-Dehodencq-The-Farewell-of-King-Boabdil-at-Granada.jpg" width="282" /></a></div><br />
<div style="text-align: center;"><i>A Despedida do Rei Boabdil de Granada</i>, Alfred-Dehodencq</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: left;"><!--StartFragment--> </div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Longo é o caminho<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">É longo o caminho quando a minha amada me espera,</div><div class="MsoNormal">E lento o meu ginete, o mais veloz de Granada.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Não há lugar com mais gente do que um campo de batalha</div><div class="MsoNormal">Nem maior glória que o cansaço do vencedor.</div><div class="MsoNormal">Mas eu estou só quando não estou com a minha amada,</div><div class="MsoNormal">E a minha glória é descansar a cabeça no seu colo.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Como são valentes os guerreiros!<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Como é valente o guerreiro em combate!</div><div class="MsoNormal">Isnar morreu a meu lado sem um queixume,</div><div class="MsoNormal">Cid foi despedaçado pelas patas de um ginete</div><div class="MsoNormal">E não chorou.</div><div class="MsoNormal">Eu fui ferido profundamente duas vezes,</div><div class="MsoNormal">Duas vezes correu o meu sangue em abundância,</div><div class="MsoNormal">Duas vezes caí, duas vezes me levantei.</div><div class="MsoNormal">Mas ninguém soube da minha boca que estive quase morto.</div><div class="MsoNormal">Como é valente o guerreiro!</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Quando disse adeus à minha amada, chorei.</div><div class="MsoNormal">Como é fraco o guerreiro, </div><div class="MsoNormal">Que até uma frágil donzela o faz verter lágrimas!</div><div class="MsoNormal">Como é fraco nos braços da sua amada</div><div class="MsoNormal">Aquele que não teme a morte!</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Morayma vendo partir Boabdil<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Da mais alta torre de Granada</div><div class="MsoNormal">Vejo partir o meu amado para a batalha.</div><div class="MsoNormal">Choro, mas sem lágrimas,</div><div class="MsoNormal">Porque quero perceber até o último grão da poeira</div><div class="MsoNormal">Levantada pelos cascos do seu cavalo,</div><div class="MsoNormal">Forte como a morte</div><div class="MsoNormal">E belo como a vida.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Eu temo a coragem do meu amado.</div><div class="MsoNormal">Ele despreza a vida </div><div class="MsoNormal">Porque sabe que, na sua morte,</div><div class="MsoNormal">Eu o amarei mais ainda.</div><div class="MsoNormal">Mas amar mais do que eu amo já é só dor,</div><div class="MsoNormal">Já só é tristeza.</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-28820630456282509302011-02-12T00:26:00.000-01:002011-02-12T00:26:54.000-01:00Ahmed Ben Kassin (6)<!--StartFragment--> <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-fq1sWun7B3A/TVXhk0MZ1pI/AAAAAAAAAN8/V5sbNpb2Hjo/s1600/Igreja+de+Mondu%25CC%2581jar.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="298" src="http://4.bp.blogspot.com/-fq1sWun7B3A/TVXhk0MZ1pI/AAAAAAAAAN8/V5sbNpb2Hjo/s400/Igreja+de+Mondu%25CC%2581jar.jpg" width="400" /></a></div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><br />
</b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: center;">Igreja de Mondújar, antiga mesquita onde foi sepultada Morayma</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><br />
</b></div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">O rei Boabdil chorando a morte de Morayma<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i>(Segundo um texto publicado pelo jornalista de Almeria Jesus Pozo, numa altura em que Fernando de Castela tinha como prisioneiros os filhos de Boabdil, este lamentou que a morte nunca quisesse nada consigo. Pouco tempo depois, Moyrama, a mulher que ele amou apaixonadamente, consultou o astrólogo Ben-Maj-Kulmut, que previu para o rei uma vida longa para que pudesse sofrer muito. Morayma sobreviveu pouco tempo à queda de Granada, e, apesar de Boabdil ser um homem ainda novo, não voltaria a casar-se.) </i></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Morayma, minha amada, minha amada,</div><div class="MsoNormal">Já não sentes as carícias das minhas mãos </div><div class="MsoNormal">Nem o calor dos meus beijos.</div><div class="MsoNormal">Mas se eu pudesse deitar-me a teu lado,</div><div class="MsoNormal">Até no frio do teu corpo me aqueceria ainda.</div><div class="MsoNormal">Disseram os astros (ou foi maldição?)</div><div class="MsoNormal">Que longa me seria a vida</div><div class="MsoNormal">Para que longo fosse o meu sofrer.</div><div class="MsoNormal">Mas a minha dor é muito maior do que mil anos de vida.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Morayma, minha amada, minha amada,</div><div class="MsoNormal">Quem poderei culpar pela nossa morte?</div><div class="MsoNormal">A que Deus, a que demónio, a que força do destino</div><div class="MsoNormal">Atribuirei as culpas de estarmos mortos?</div><div class="MsoNormal">Ferindo uma só vez a morte fez duas mortes.</div><div class="MsoNormal">Morayma, minha amada, minha amada,</div><div class="MsoNormal">Como viverei sem ti?</div><div class="MsoNormal">Morayma, minha amada, minha amada,</div><div class="MsoNormal">Como poderei viver só com metade de mim?</div><div class="MsoNormal">Morayma, minha amada, minha amada,</div><div class="MsoNormal">Como viverei sem mim?</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-9937175988399333272011-02-02T23:16:00.000-01:002011-02-02T23:16:42.911-01:00Ahmed Ben Kassin (5)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TUnzr4zrfwI/AAAAAAAAAN4/YinX7dazaMU/s1600/granada-espanha.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://3.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TUnzr4zrfwI/AAAAAAAAAN4/YinX7dazaMU/s320/granada-espanha.jpg" width="258" /></a></div><br />
<!--StartFragment--> <br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">Granada, Espanha</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><br />
</b></div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Durante o cerco de Granada<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Eu partirei chorando as rosas de Granada,</div><div class="MsoNormal">E muito hei-de chorar pela mais bela de todas,</div><div class="MsoNormal">Aquela que eu amei como se fosse eterna.</div><div class="MsoNormal">E viverei sabendo o amor e a morte.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Mas se a espada infiel me ferir o peito,</div><div class="MsoNormal">Não tenha piedade do meu corpo</div><div class="MsoNormal">Nem tema o orvalho rubro que lhe tinja o gume, </div><div class="MsoNormal">Porque na morte eu talvez não saiba que estou morto.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Lágrima a lágrima verterei o meu sangue por ti, Granada.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Na queda de Granada</b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Vagueia por Granada um pranto mudo.</div><div class="MsoNormal">Uma adaga de dor fere-me o coração,</div><div class="MsoNormal">E a minha alma é como uma cota de malha</div><div class="MsoNormal">Rota pelo gume da cimitarra. </div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Há quem procure a piedade da morte.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Muito mais são as dores que as feridas,</div><div class="MsoNormal">Muito mais são as lágrimas que o sangue.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">(O poema seguinte é uma metáfora, em que a amada é Granada, que caiu sem grande resistência.)</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Em mãos infiéis<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A minha amada desnudou-se e cobriu-se de vergonha.</div><div class="MsoNormal">Só a vergonha veste agora a minha amada.</div><div class="MsoNormal">A minha amada dormiu com o infiel,</div><div class="MsoNormal">Entregou-se nos seus braços e deitou-se na sua cama.</div><div class="MsoNormal">Esqueceu as juras de amor que eu lhe fizera</div><div class="MsoNormal">E deixou-se seduzir por falas mansas.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Como eu entendo que ele a tenha amado, </div><div class="MsoNormal">A ela, a mais amável de todas!</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Oh, se eu pudesse tê-lo cegado antes que ele a contemplasse!</div><div class="MsoNormal">Mas não tocarei sequer um só dos seus cabelos,</div><div class="MsoNormal">Para não tornar mais infeliz ainda a minha amada.</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-66991601658222021852011-01-26T01:09:00.000-01:002011-01-26T01:09:38.108-01:00Ahmed Ben Kassin (4)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TT-Bg7YRqiI/AAAAAAAAANw/_4WuCeVxUNc/s1600/Rosa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="297" src="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TT-Bg7YRqiI/AAAAAAAAANw/_4WuCeVxUNc/s400/Rosa.jpg" width="400" /></a></div><!--StartFragment--> <br />
<div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><br />
</b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: center;"><a href="http://fineartamerica.com/featured/rain-drops-on-pink-rose-vijay-abhyankar.html"><i>Rain drops on pink rose</i> (Vijay Abhyankar)</a></div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><br />
</b></div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><br />
</b></div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Efémero<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A minha amada estendeu-me a mão esquerda,</div><div class="MsoNormal">E ofereceu-me um pedaço de Sol</div><div class="MsoNormal">Como se fosse a sua própria alma.</div><div class="MsoNormal">O resto do Sol chegava ao ocaso.</div><div class="MsoNormal">Eu pensei: “Como vai ser breve, este momento!”</div><div class="MsoNormal">Mas aquele dia não anoiteceu ainda.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Orvalho<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A minha amada é bela como as rosas orvalhadas,</div><div class="MsoNormal">E tem a pele mais suave que as suas pétalas.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Oh, como estou longe agora da minha amada!</div><div class="MsoNormal">Não posso ver a luz nos seus olhos</div><div class="MsoNormal">Nem sentir a maciez do seu corpo.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">O orvalho nas rosas são lágrimas.</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-20728499189041960882011-01-19T23:27:00.000-01:002011-01-19T23:27:58.454-01:00Ahmed Ben Kassin (3)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TTeBS59D-fI/AAAAAAAAANo/mZiX-s3ISIw/s1600/Roma%25CC%2583s.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="http://3.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TTeBS59D-fI/AAAAAAAAANo/mZiX-s3ISIw/s320/Roma%25CC%2583s.jpg" width="320" /></a></div><br />
<!--StartFragment--> <br />
<div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A minha amada<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Quando penso na minha amada:</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Os seios da minha amada são como duas romãs maduras;</div><div class="MsoNormal">O seu cabelo tem perfume de alfazema;</div><div class="MsoNormal">Os seus lábios são da cor do açafrão</div><div class="MsoNormal">E a sua boca tem o sabor do damasco;</div><div class="MsoNormal">Os seus olhos são como pedras preciosas </div><div class="MsoNormal">E a sua pele como o oiro da mesquita de Abd-Al-Rahman.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Quando surge a minha amada:</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A visão da minha amada é a minha alegria;</div><div class="MsoNormal">As formas do seu corpo, a minha delícia;</div><div class="MsoNormal">O seu amor, a minha felicidade. </div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Quando estou junto da minha amada:</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Nada é comparável à minha amada.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">No jardim<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A minha amada cantava</div><div class="MsoNormal">Entre as flores do seu horto.</div><div class="MsoNormal">Vinha no canto o perfume dos goivos e do jasmim,</div><div class="MsoNormal">A sua voz trazia a fragrância das rosas e dos cravos.</div><div class="MsoNormal">Parei a escutá-la,</div><div class="MsoNormal">Sem saber se deveria abreviar-lhe o canto,</div><div class="MsoNormal">Correndo para os seus braços,</div><div class="MsoNormal">Ou se melhor seria continuar ouvindo</div><div class="MsoNormal">A música do Paraíso.</div><div class="MsoNormal">Demorei-me um breve instante apenas,</div><div class="MsoNormal">E, quando entrei no jardim,</div><div class="MsoNormal">Ela, triste, perguntou-me</div><div class="MsoNormal">Por que tardara tanto.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Como é breve a vida!<o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A minha amada</div><div class="MsoNormal">Faz-me a vida mais curta.</div><div class="MsoNormal">Junto dela, </div><div class="MsoNormal">Todo o tempo é breve.</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-49241282576872680322011-01-09T21:37:00.000-01:002011-01-09T21:37:17.519-01:00Ahmed Ben Kassin (2)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TSo3fPapTVI/AAAAAAAAANk/lIaaCJ-8vaI/s1600/Generalife-PatiodelaAcequia_mini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="314" src="http://4.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TSo3fPapTVI/AAAAAAAAANk/lIaaCJ-8vaI/s400/Generalife-PatiodelaAcequia_mini.jpg" width="400" /></a></div><b><br />
</b><br />
<div style="text-align: center;"><b><span class="Apple-style-span" style="font-weight: normal;">Origem da fotografia: <a href="http://img30.imageshack.us/i/Generalife-PatiodelaAcequia_mini.jpg/">ImageShack</a></span></b></div><b><br />
</b><br />
<b>Nos jardins do Generalife</b><br />
<br />
Como são tristes as rosas do Generalife!<br />
Não têm o perfume da minha amada,<br />
Como são tristes as rosas!<br />
Como são inúteis as suas fontes!<br />
Não bebe nelas a boca da minha amada,<br />
Como são inúteis as fontes!<br />
Como é turva a água nos seus jardins!<br />
Porque não se banha nelas a minha amada,<br />
Como é turva a água!<br />
Como é nítido o sol nas suas flores!<br />
Porque não passeia entre elas a minha amada,<br />
Como é nítido o sol!<br />
Como é mudo o silêncio dentro dos seus muros!<br />
Porque não se ouve a voz da minha amada,<br />
Como é mudo o silêncio!<br />
<br />
<div style="text-align: auto;"><br />
</div><div style="text-align: left;"><b>No vale do Wadi-As</b></div><div style="text-align: left;"></div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;">Durante a noite os anjos tinham polido</div><div style="text-align: left;">As neves de Sulayr,</div><div style="text-align: left;">Que brilhavam sob o sol do meio-dia.</div><div style="text-align: left;">O espelho das águas do degelo viajava no Wadi-As</div><div style="text-align: left;">A caminho do mar.</div><div style="text-align: left;">Uma borboleta amarela poisou brevemente </div><div style="text-align: left;">No ombro da minha amada.</div><div style="text-align: left;">Ela exclamou: “Como tudo é belo!”</div><div style="text-align: left;">Eu disse: “Quero que vejas toda a beleza do mundo.”</div><div style="text-align: left;">Sorrindo, respondeu-me:</div><div style="text-align: left;">“Ainda que vivesse mil anos, não poderia.”</div><div style="text-align: left;">Mas eu apenas lhe pedi: “Contempla-te no rio.”</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;">(Wadi-As - actulmente Guadix, nome derivado daquele.)</div><div style="text-align: left;"><br />
</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-37606172213290940242011-01-04T00:30:00.001-01:002011-01-04T00:35:15.648-01:00Ahmed Ben Kassin (1)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TSJ3AnS6kGI/AAAAAAAAANg/B3q87VP0W58/s1600/granada_alhambra01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TSJ3AnS6kGI/AAAAAAAAANg/B3q87VP0W58/s1600/granada_alhambra01.jpg" /></a></div><div style="text-align: center;">Granada - A Alhambra (fonte <a href="http://lexicorient.com/spain/alhambra.htm">LookLex</a>)</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><b>As rosas de Granada</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu choro as rosas de Granada.</div><div style="text-align: justify;">O seu perfume fluía pelas congostas,</div><div style="text-align: justify;">Subia até às neves de Yabal Sulayr,</div><div style="text-align: justify;">E só se detinha no jardim da minha amada.</div><div style="text-align: justify;">Perto dela nenhuma flor abria,</div><div style="text-align: justify;">Porque ela era pétala e perfume,</div><div style="text-align: justify;">Vida, ar e luz.</div><div style="text-align: justify;">Quantas vezes hei-de chorar-te, Granada?</div><div style="text-align: justify;">Diz-me quantas,</div><div style="text-align: justify;">E eu saberei quantas noites viverei ainda.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Yabal Sulayr – Serra Nevada)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>No oásis de Wadi-As</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A minha amada descansava debaixo da tamareira grande,</div><div style="text-align: justify;">Quando o Sol a cobria de sombra na luz vertical do meio-dia.</div><div style="text-align: justify;">Todas as aves conheciam o caminho perfumado pelos seus pés</div><div style="text-align: justify;">E alimentavam-se da fragrância que, descalços, eles deixavam na passagem.</div><div style="text-align: justify;">Depois partiam para o Norte sem mais alimento do que esse etéreo, </div><div style="text-align: justify;">Improvável odor a rosas de Andaluzia guardado na memória das suas passadas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No oásis de Wadi-As,</div><div style="text-align: justify;">Onde a chuva a dissolveu de mim.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>Odeio a chuva</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Todos se alegram quando a chuva chega,</div><div style="text-align: justify;">Mas eu odeio-a porque muito amo.</div><div style="text-align: justify;">Só na refulgência do sol é possível a miragem,</div><div style="text-align: justify;">E só na miragem surge o oásis de Wadi-As.</div><div style="text-align: justify;">É então que a minha amada caminha entre as tamareiras</div><div style="text-align: justify;">E descansa à sombra da mais alta.</div><div style="text-align: justify;">Sei que ela não é mais que essa miragem,</div><div style="text-align: justify;">Que não há tamareiras em Wadi-As,</div><div style="text-align: justify;">Mas, a quem não resta mais que ser enganado,</div><div style="text-align: justify;">Até a mais falsa das miragens o conforta.</div><div style="text-align: justify;">Quando a chuva chega, </div><div style="text-align: justify;">Devolve a minha amada à terra de seus pais.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Wadi-As – Guadix, na província de Granada.)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Poemas de Ahmed Ben Kassin, poeta árabe nascido em Granada cerca de 1470, e que acompanhou o rei Boabdil quando este foi expulso da cidade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-12351153922963138912010-12-25T22:36:00.000-01:002010-12-25T22:36:21.524-01:00The One-Legged Shepherd(para quem gosta de leituras em inglês, segue a tradução por Katharine F. Baker & Bobby J. Chamberlain, Ph.D, Pittsburgh, Pennsylvania, E.U.A.) <br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TRZ_pq5_zCI/AAAAAAAAANc/dum2zoIjQHk/s1600/Postal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="210" n4="true" src="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TRZ_pq5_zCI/AAAAAAAAANc/dum2zoIjQHk/s320/Postal.jpg" width="320" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Father-in-law, please phone when you get there.”</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">His children’s spouses were more solicitous of him than were his two daughters and four sons. He had spent some months in Canada after his wife died. They had prevailed upon him to emigrate, so he would not be alone without anyone to give him loving care. But to him that was no way to live. And the love was not as advertised. He was always stuck in the house. He could not go anywhere except by car. His son-in-law António José was the one who treated him best: took him to Portuguese mass, drove him to Montreal so he could visit his children living there, and cheered him up as best he could. What bothered him above all was spending a month at one house, the next month at another, until he had finished making the rounds among the two sons and two daughters who lived in the city. But they lived so far from one another that it was almost like going from one end of his island to the other. He felt rather like a Holy Ghost crown on its Sunday travels.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">As Christmas approached he began saying that he wanted to go home. Not “to Portugal” or “to the Azores,” but simply “home.” In his words and thoughts there was only one home, his own. The one where he had been happy with his wife and with the children, whom he deemed to have been better raised than what he was now seeing, due to changes in customs and feelings that abundance had wrought upon them. For that reason he had to spend Christmas at home. And set up the Nativity Scene for the Christ Child, as always. Not because he was eager to, but because of his sainted wife who was now with God, whom he had promised. For the rest of his life. And he could not imagine missing the midnight Missa do Galo mass at his church, either.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Father, you have to stay,” his daughters and sons told him.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Father-in-law, you have to spend Christmas with us. Don’t even think of leaving,” his son-in-law António José implored.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Baby Jesus is born, and I am dying,” the old man would reply.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">He came back. The day before Christmas Eve. But the plane had to divert to Terceira owing to bad weather. He did not see how he could get home the next day. He phoned, as his son-in-law had asked. His daughter answered. He told her what had happened. “Serves you right. Father, you are so stubborn. And now you won’t get your midnight mass, or anything else.”</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">He spent the night bundled up in blankets that a charitable soul had fetched from the airline storeroom. And it was not until 10 the next evening that he could start heading for home. He knew he was no longer going to make it in time for midnight mass. His parish priest was responsible for three churches, and would be celebrating mass in the first one at 10:30 p.m., in order to reach the second by midnight, then get to the third at 1:30 a.m. That is what comes of the priest shortage and a decline in traditional level of religious faith, which was also occurring in Canada. Still, it was better than nothing, although to him midnight mass had to be at midnight on the dot. And only next year would it be his parish’s turn to hold it at the right time. God willing.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">He was among the first to board the plane, as if that would enable him to arrive earlier. Since he had not spotted him before, he was surprised to see Padre Augusto, a teacher at the seminary, who greeted him warmly and sat beside him. He recounted to the priest the course of events that resulted in his disappointment.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Padre Augusto offered to give him a lift to the street nearest his house. When they reached the village, one of the ceremonies he liked best had just ended, the kissing of Baby Jesus. It was then that Padre Augusto told him that if he liked, he could still attend a midnight mass. He was going to celebrate it, even if it was just for him alone. Another dozen people showed up. The homily was brief:</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“No one would think that a child who was born in a manger and grew up in a land as poor as Nazareth could be so important. As an adult, the first time his words made people uncomfortable, a Pharisee told Nicodemus to investigate and see if this man from Galilee was some sort of prophet. But he was one who challenged those who obey the law without compassion: ‘Let him who is without sin cast the first stone.’ Everyone fled, blaming themselves, because the worst accusation we can suffer is that of our own conscience. We can escape the accusations of others, but never our own. Let us take care that our conscience, which is always with us, may be agreeable company. Like Jesus in the manger.”</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Padre Augusto said little more. And it was unnecessary.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Once he arrived home, his first saudades were wet with tears for his sainted wife. Then more tears fell in amazement and gratitude, although for whom he could not guess. God be praised, but someone had already set up his Nativity Scene. Exactly as if he had done it himself. And on the bread board sat a round loaf of sweet massa sovada bread; anise, vanilla and tangerine liqueurs, as used to be the custom; and a jug of wine and rabbit stew. He ate and drank, giving thanks without knowing whom he was thanking, or whom he ought to thank.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">That night he dreamed that he was dreaming. This happened to him often – dreaming that he was dreaming. And he dreamed that he was dreaming that God himself was explaining to him how the Nativity Scene had been put up and how everything else had wound up there.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">He saw the figures emerging from their nearly year-long slumber. Startled, they awoke to the restlessness of the one-legged shepherd, who called plaintively to them in the shoe box where they were stored. The one-legged shepherd was the only one who was never placed near the grotto, because his leg had gotten broken off many years before, so in order to stand him upright he had to be leaned against a volcanic rock, in a patch of moss.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“There’s no one to assemble the Nativity Scene,” he said.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“What can we do?” asked another shepherd.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“We’ll set up the crèche ourselves.”</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">That was a good idea, but who would go hunting for the moss?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“The chimney sweep will, because he’s more used to climbing up and down places than anyone.”</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">And so it was decided. He gathered moss from the trunk of the old fig tree, from the north-facing wall, and among the narcissus clumps. The crèche stones were all stored in what for many years had been the outhouse at the far end of the pigsty. After that each figure was placed in its customary position. It was then that the laundress hurriedly returned home and fixed the liqueurs, baked the bread and stewed the rabbit. But the one-legged shepherd was the last to arrive, so once more he stood there at the foot of the crèche.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">The next day he picked up the one-legged shepherd and leaned him alongside the manger. (The only detail God had neglected to explain to him in the dream was that observant Jews do not eat rabbit.)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-56473663924860948862010-12-21T22:03:00.005-01:002010-12-21T22:08:43.892-01:00O Pastor Manco<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TRExSN3eRJI/AAAAAAAAANU/GuXBgDlR6_k/s1600/DSCF3834.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" n4="true" src="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TRExSN3eRJI/AAAAAAAAANU/GuXBgDlR6_k/s320/DSCF3834.JPG" width="320" /></a></div><div style="text-align: center;"><em>(Pormenor da gruta do presépio cá de casa. Fotografia de Sérgio Lourenço)</em></div><br />
(Homenagem ao Padre Dr. Augusto Cabral, no ano do 50º aniversário da sua ordenação)<br />
<br />
– Meu sogro, quando chegar, que telefone, se faz favor.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">Os genros tinham mais cuidado com ele do que as filhas, que eram duas, e os filhos, que eram quatro. Passara uns meses no Canadá, depois de a mulher ter morrido. Convenceram-no a emigrar para não ficar sozinho, sem ninguém que cuidasse dele com amor. Mas aquilo não era vida para si. E o amor não era tanto como apregoado. Estava sempre fechado em casa. Não podia ir a lado nenhum que não fosse de carro. Aquele genro, o António José, era o que o tratava melhor. Levava-o à missa portuguesa, chegou a ir a Montreal para que ele visitasse os filhos que lá viviam, animava-o quanto podia. Incomodava-o sobretudo passar um mês numa casa, o mês seguinte em outra, até se acabar a ronda pelos filhos, dois, e pelas filhas, duas, que moravam naquela cidade. Mas tão longe uns dos outros quase como ir na sua ilha de ponta a ponta. Sentia-se uma espécie de coroa do Espírito Santo nas andanças das Domingas. <br />
<br />
Com a aproximação do Natal começou a dizer que queria voltar para casa. Não dizia “para Portugal” ou “para os Açores”, era ”para casa”, simplesmente. Casa, dita por ele, pensada por ele, só havia uma, a sua. Aquela onde fora feliz com a mulher e com os filhos. Que julgava ter educado melhor do que o que via por causa das mudanças de costumes e de sentimentos que a fartura provocara neles. Tinha de passar o Natal era em casa, portanto. E armar o presépio ao Menino, como sempre. Não porque tivesse alegria agora para o fazer, mas porque o havia prometido à sua “santa”, que Deus lá tinha. Até ao fim da vida. Nem poderia imaginar-se sem a Missa do Galo na sua igreja.<br />
<br />
“Meu pai que fique”, diziam-lhe as filhas e os filhos. “Meu sogro há-de passar o Natal é com a gente, nem pensar ir-se embora”, implorava aquele genro, o António José. “O Menino Jesus nasce, e eu morro”, respondia o velho.<br />
<br />
Veio. Na antevéspera do Natal. Mas o avião teve de se desviar para a Terceira, por causa do mau tempo. Não se previa que pudesse chegar a casa durante o dia seguinte. Telefonou, como o genro pedira. Atendeu a filha. Contou o que acontecera. “Bem feito. Meu pai é teimoso. E agora nem Missa de Galo nem nada.” Passou a noite embrulhado nuns cobertores que uma alma caridosa foi buscar ao armazém da SATA. E eram já dez da noite quando, no outro dia, pôde começar a chegar a casa. Sabia que já não ia a horas da Missa do Galo. O padre da sua freguesia era responsável por três igrejas, e celebrava-a na primeira às dez e meia, para poder estar à meia-noite na segunda, indo depois à uma e meia para a terceira igreja. Era no que dava a falta de padres, era no que dava a falta de fé como antigamente, como no Canadá. Sempre era melhor do que nada, mas Missa do Galo, para ele, era à meia-noite em ponto. E só no ano seguinte seria a vez de a sua freguesia a ter à hora certa. Fosse feita a vontade de Deus.<br />
<br />
Foi dos primeiros a entrar no avião, como se assim pudesse chegar mais cedo. Sem que tivesse dado por ele antes, viu com surpresa o Padre Augusto, que era professor no seminário, saudá-lo calorosamente e sentar-se a seu lado. Contou-lhe as peripécias da sua desilusão. O Padre Augusto ofereceu-lhe boleia para o último caminho até casa. Quando chegaram à freguesia, tinha acabado uma das cerimónias de que mais gostava, beijar o Menino. Foi então que o Padre Augusto lhe disse que, se ele quisesse, poderia ainda assistir a uma Missa do Galo. Ia celebrá-la, nem que fosse para ele sozinho. Apareceu mais uma dúzia de pessoas. A homilia foi breve. “Ninguém pensaria que um menino que nasceu numa manjedoira, e que cresceu numa terra tão pobre como Nazaré, pudesse ser alguém importante. Quando já era homem, na primeira vez que houve quem se sentisse incomodado com as suas palavras, um fariseu disse a Nicodemos que investigasse e visse se da Galileia tinha vindo algum profeta. Mas foi ele que desafiou os que cumprem a lei sem amor. «O que não tiver pecados que atire a primeira pedra.» Fugiram todos, acusados por si mesmos. Porque a pior acusação que podemos sofrer é a da nossa própria consciência. À dos outros podemos escapar, mas, à nossa, nunca. Cuidemos para que a nossa consciência, que está sempre connosco, seja uma companhia agradável. Como a de Jesus no presépio.” Disse pouco mais, o Padre Augusto. E não era preciso.<br />
<br />
Quando chegou a casa, as primeiras saudades foram molhadas em lágrimas pela sua “santa”. Depois, vieram-lhe outras de espanto e de gratidão não imaginava a quem. Fosse Deus louvado, mas alguém lhe armara o presépio. Tal e qual como se ele mesmo o tivesse feito. E, em cima da amassaria, havia um bolo de massa sovada, licor de anis, de baunilha e de tangerina, como à moda antiga, e um canjirão de vinho e coelho guisado. Comeu e bebeu, agradecendo sem saber a quem o fazia ou deveria fazer.<br />
<br />
Nessa noite sonhou que sonhava. Acontecia-lhe isso muitas vezes – sonhar que estava sonhando. E sonhou que sonhava que o próprio Deus lhe explicava como havia sido feito o presépio e como fora ali parar tudo o mais. Viu os bonecos despertarem de um sonho de quase um ano. Estremunhados, acordaram com a inquietação do pastor manco, que os chamava aflito na caixa de sapatos onde estavam guardados. O pastor manco era o único que nunca estava perto da gruta, porque tinha uma perna partida havia muitos anos, e por isso, para se aguentar de pé, ficava encostado a uma pedra-queimada, num pasto de musgo. “Não há ninguém para armar o presépio”, disse. “Que é que se há-de fazer?”, perguntou outro pastor. “Fazemos o presépio nós mesmos.” Era boa ideia, mas quem iria buscar o musgo? “Vai o limpa-chaminés, que está habituado a subir e descê-las como ninguém.” Assim foi. Colheu musgo do tronco da velha figueira, do muro virado a norte, de entre as moitas de junquilhos. As pedras do presépio estavam todas guardadas naquilo que durante muitos anos fora a “casinha”, ao pé do curral do porco. Depois pôs-se cada um na sua posição do costume. Foi então que a lavadeira voltou à pressa para casa e fez os licores, cozeu a massa e guisou o coelho. Mas o pastor manco fora o último a chegar, e por isso ficou uma vez mais lá no fim do presépio.<br />
<br />
No outro dia, pegou no pastor manco e encostou-o à manjedoira. (Deus só não lhe explicara no sonho que os Judeus não comem carne de coelho.) </div><br />
Natal de 2010Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com16tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-9383205777145513812010-11-21T01:06:00.000-01:002010-11-21T01:06:18.455-01:00Carta de Fradique Mendes a Eça de Queirós a propósito do discurso de Sua Excelência (FICÇÃO)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TOh-EE_ho3I/AAAAAAAAANQ/2Wh60D9J9C0/s1600/Fradique.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="297" src="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TOh-EE_ho3I/AAAAAAAAANQ/2Wh60D9J9C0/s400/Fradique.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Lembra-se decerto, meu caro amigo, daquela espectral figura, homogénea de cima a baixo no seu negro vitalício, que respondia às vezes quando alguém chamava “Eugénio”. A sua morte foi o seu maior vexame. Já todos a pressentíramos, porque já todos interpretáramos os iniludíveis sinais de uma doença hepática fatal. Só ele não. Por isso se escandalizou quando o médico lhe diagnosticou que uma cirrose o extinguiria em breve: “Eu nem sequer sou bêbado, doutor!” E não era – pelo seu critério, não era. Apesar de o seu dejejum consistir em dois ou três copos de Collares, de beber uns quantos cálices de Xerez como aperitivo e meia dúzia de conhaques para ajudar a digestão, não era bêbado, jurava. O certo é que não o víamos vacilar, jamais lançou uma só gota da abundância dos néctares vertidos numa goela sem fundo, não punha um pé fora do sítio certo, nunca engordou uma libra, nunca emagreceu um arrátel. Seroava sorvendo brancos e tintos das melhores castas ou viris carrascões do Cartaxo. Nós conversávamos, e ele bebia. Até que o Martinho fechasse e fôssemos mandados embora curar os excessos no Passeio Público. A espectral figura erguia-se em linha recta, caminhava como uma estátua de bronze animada, sem um desalinho no meticuloso penteado, sem uma ruga no aprumo das calças, e, se era Inverno, tendo o paletó impecavelmente abotoado e sem dobrar as golas para o pescoço, por mais que o frio nos obrigasse ao aconchego de nós mesmos. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Lembrei-me do senhor Dom Eugénio ao ouvir Sua Excelência falar à Nação. Num instante Sua Excelência fez ruir séculos e séculos da dúvida existencial da inscrição do templo de Delfos, que tanto impressionou Sócrates até ao fim da vida. Sua Excelência conhece o mais ínfimo pormenor da sua alma, e do seu espírito, e do seu coração, e do seu povo. Sem ela, a excelência de Sua Excelência, o país seria infinitamente mais infeliz. Na minha comoção agradecida, cheguei a imaginar que, se Sua Excelência tivesse sido rei em vez de D. João III, o miserável Sepúlveda não haveria naufragado em terra de cafres. Ou, se houvesse governado em lugar de D. Carlos, Portugal não teria sofrido a vergonha e o prejuízo do mapa cor-de-rosa. Imaginações vãs, que tanto poderiam ter alcançado estes reis e seus reinados como outros quaisquer da nossa história. Até mesmo um Afonso III, que não deveria ter-se declarado rei de Portugal e do Algarve, mas do Algarve e de Portugal.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Chegado a este ponto, meu caro amigo, nenhuma semelhança terá percebido ainda entre Sua Excelência e a espectral figura. Onde se encontram as duas personagens é na negação daquilo que obviamente um foi e o outro tem sido. O espectro era um bebedor dos mais empenhados de Lisboa, mas nunca deu provas circunstanciais de tal condição. Não o víssemos emborcar quantidades astrais de cálices e de copos, e nenhum de nós acreditaria que fosse bêbado. A sua conduta era irrepreensível e sóbria como a de um monge que bebesse leite e água somente. Pois Sua Excelência afirma que não é político. Candidamente. Com uma convicção daquela óbvia pureza filha da ingenuidade – apesar de já ter ocupado cargos no Estado suficientes para satisfazer as ambições de toda a condal família de Abranhos.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"> </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Façamos justiça, porém, a sua Excelência. Assim como ao senhor Dom Eugénio nunca se lhe viu um gesto que o denunciasse como bêbado, de Sua Excelência não se conhece um pensamento à maneira de Gladstone, uma ousadia à Jefferson, ou um golpe de génio à Disraeli. Em suma, Sua Excelência nunca teve um acto político propriamente dito. Por isso, meu caro amigo, curvemo-nos perante a honestidade de Sua Excelência.</div><div><br />
</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-74470884155084314912010-11-09T23:05:00.001-01:002010-11-11T01:46:49.031-01:00Post Scriptum para os “Diários” de Fernando Aires<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TNnhDoT6oqI/AAAAAAAAANM/wKrIMisUFRc/s1600/Fernando+Aires.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TNnhDoT6oqI/AAAAAAAAANM/wKrIMisUFRc/s320/Fernando+Aires.jpg" width="234" /></a></div><br />
<div style="text-align: center;">Fernando Aires (1928 - 2010)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Hoje a cidade amanheceu cercada de cinzento. É seu velho hábito vestir esse hábito de quase penumbra. Que incomoda. Que amolece o gosto pela vida. Que nos tira a vontade de nos levantarmos. Hoje, a cidade voltou a vestir os seus andrajos mais frequentes, como viúva pobre em permanente aliviar luto. E não me apeteceu levantar. Na minha “Ilha de Nunca Mais” não voltarei a erguer-me. O tempo… o tempo, para mim, agora já “era uma vez”. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A notícia de que não me apeteceu levantar acinzentou de quase trevas pedacinhos de mundo aqui e acolá. Escureceu a claridade na Ponta da Galera. Arrefeceu o vento nordeste na Maia. Gelou corações em Providence ou em Lisboa, em New Bedford ou em Toronto, na Califórnia ou em Santa Catarina. Estranha sensação, esta, a de saber que eu, “uma unidade de sentimentos/ sensações”, fazia parte dos sentimentos bons de tantos amigos. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se for possível farei o possível para estar com ela, mas a Linda ouvirá sozinha a nossa música. Como eu amei esta Mulher! Como ela conseguiu ser o braço que me levantou tantas vezes em manhãs em que não me apeteceu levantar! Mas, hoje, não. Hoje tornou-se no nunca mais. Talvez tentem aliviar este insidioso luto cinzento com um cheiro a flores. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Hoje não me levantei. Não volto a levantar-me, já disse. Não me cansei da vida, nem da família, nem dos amigos. Nem sequer me cansei de mim. Mas tinha de haver este dia. O dia de nunca mais.<br />
<br />
Até qualquer dia, companheiros. <br />
<br />
Maia, 9 de Novembro de 2010<br />
<br />
(Daniel de Sá)<br />
<div><br />
</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-27325055986511552732010-07-07T01:35:00.000+00:002010-07-07T01:35:07.794+00:00O Abade de Moreira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TDPYQLYUC7I/AAAAAAAAAM8/vvWUQczjBKI/s1600/Cavalhadas_18.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" rw="true" src="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TDPYQLYUC7I/AAAAAAAAAM8/vvWUQczjBKI/s320/Cavalhadas_18.jpg" /></a></div><div style="text-align: center;"><em>Cavalhadas da Ribeira Seca da Ribeira Grande, que se supõe terem origem nos jogos de canas</em> </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Muito tristes viviam ainda as gentes de São Miguel, e mais que todas a de Vila Franca do Campo, por causa da tragédia que subvertera a capital da ilha na noite de 22 de Outubro de 1522. O capitão Rui Gonçalves da Câmara, que escapara ao cataclismo por se encontrar numa quinta do Cabouco mais a mulher e seu filho Manuel, também tivera muito que chorar, pois morreram todos os restantes da sua casa: as filhas Jerónima e Guiomar, o filho mais velho e um bastardo, sua irmã Melícia e todos os serviçais que haviam ficado em Vila Franca.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;">Assim que por sua própria experiência tão terrível sabia quão grande era a dor que enlutava os sobreviventes e compreendia o terror que em toda a ilha escurecia os corações. Por isso pensou fazer alguma coisa que distraísse os espíritos e alegrasse as almas aflitas. E o melhor que lhe ocorreu foi convocar os cavaleiros de São Miguel para um jogo de canas, de modo a que a luta simulada e o entusiasmo que nela punham todos os que participavam mais os que a ela assistiam os alegrasse ao menos por umas horas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O jogo foi marcado para o Domingo de Páscoa do ano seguinte ao da catástrofe, num campo junto ao mar na Lagoa, onde o capitão residia por causa da fatalidade que lhe sepultara a casa e a maior parte da família.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Foi esplendoroso o desfile dos cavaleiros, que saudaram na tribuna o capitão Rui Gonçalves da Câmara, sua mulher, D. Filipa Coutinha, e os outros homens importantes que tomaram assento junto dele. Vestiam os desafiantes ricas librés, pelotes ou gibões de seda e de veludo, quase todos de cores garridas e alguns de branco, com abundância de botões de oiro, levando muitos deles dois cavalos ajaezados de tal maneira que se diria que tanto era o cuidado de luzirem luxo os homens nas cavalgaduras como em si mesmos. Só os poucos que foram de Vila Franca, mais doídos que os restantes por mais de perto lhes ter tocado a desgraça, estavam modestamente de preto e roxo. A própria mula que transportava as canas ia muito bem ataviada e com luzentes chocalhos de prata. Pertencia a alimária a André Gonçalves Sampaio, de Ponta Delgada, que por ser muito rico era chamado o Congro, que se tinha nesse tempo como o maior peixe do mar, e dele ficou nome num pico e numa formosíssima lagoa.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os combates estavam ordenados de maneira a que os cavaleiros de Ponta Delgada e da Lagoa lutassem contra os de Água de Pau, da Ribeira Grande e de Vila Franca.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Abade de Moreira, que durante alguns anos viveu na Ribeira Grande, era um dos mais destemidos e temidos cavaleiros que foram ao combate. E isso certamente se devia a mais tempo dedicado à arte de bem cavalgar toda a sela do que bem servir a Deus no Seu altar. Coube-lhe a honra de desafiar D. Manuel da Câmara, o jovem filho do Capitão. Mas, se era uma honra ter como adversário aquele que a subversão de Vila Franca tornara herdeiro de Rui Gonçalves da Câmara, não menor honra seria para o moço defrontar o façanhoso Abade daquela vila das Terras da Maia.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os dois cavaleiros correram um para o outro parecendo querer que as montadas se chocassem. Mas, como que obedecendo a um sinal combinado, e mal se lhes notando um leve puxão nas rédeas, estacaram a uns trinta passos de distância de focinho a focinho. Pretendia avaliar cada qual a determinação do rival, mas de imediato o Abade de Moreira deu um toque com o joelho esquerdo nas costelas do cavalo, e este arrancou logo em galope, descrevendo círculos, da direita para esquerda, à volta de D. Manuel da Câmara, que mantinha o seu cavalo a rodar sobre as patas de modo a ter os olhos sempre fixos no contendor. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Abade foi observando o modo ágil como cavalo e cavaleiro não lhe davam nunca o flanco, e, numa manobra imprevista inverteu o sentido da corrida, o que fez a multidão gritar de espanto em uníssono, pelo risco de tal manobra e pelo perigo em que se punha o Abade, porque assim dava o lado direito ao adversário, sem a protecção, portanto, da adarga, que levava na mão esquerda. O animal quase bateu com o quadril direito no chão, mas num ápice saiu de uma nuvem de poeira, de narinas muito abertas a latejarem no esforço da corrida. D. Manuel da Câmara, momentaneamente julgando o adversário vulnerável, atirou-lhe a cana quase por instinto. O Abade previra que tal acontecesse, e por isso arriscara a manobra temerária. Mas, em vez de se defender com a adarga, inclinou-se para a direita, ficando com todo o corpo abaixo da garupa, movimento que ajudou o cavalo a equilibrar a projecção do movimento para fora que a meia volta e o galope provocaram.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Cavalheiresco, o Abade permitiu que D. Manuel da Câmara fosse buscar outra cana, não mostrado querer atacá-lo sem que ele pudesse atacar também. O moço cavaleiro voltou à luta, e, correndo sempre a direito, passou pelo Abade protegendo o corpo com o corpo do cavalo, como aquele fizera antes. E, sem mudar essa posição, levou o animal a voltear da direita para a esquerda, envolvendo o Abade como este o envolvera antes. Irado por se sentir ameaçado de modo semelhante àquele com que ameaçara, o Abade não obrigou o cavalo a rodar com a rapidez necessária para enfrentar sempre o rival. D. Manuel da Câmara, percebendo-o em desvantagem, mal protegido, atirou-lhe a cana num movimento tão brusco do braço que se desequilibrou ligeiramente. A cana fora mal dirigida, e o Abade, como que tendo-lhe adivinhado a intenção e o desequilíbrio, atirou a sua de imediato, mas o jovem cavaleiro, num prodígio de reflexos, agarrou-se às crinas com a mão direita e protegeu o flanco com o pequeno escudo de coiro, recebendo assim o golpe na adarga.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Enquanto a multidão, que viera de todas as partes da ilha, aplaudia o lance certeiro do abade e a ágil defesa de D. Manuel da Câmara, D. Filipa Coutinha enfureceu-se, gritando da tribuna que ao filho a cana deveria ser sempre atirada por cima da cabeça, como se fazia ao rei em circunstâncias iguais. E mais gritou ainda que fossem contra o afrontoso cavaleiro e o matassem.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Abade correu até onde estava o seu moço de esporas, que fora dando pequenos trotes com o segundo cavalo para o ter pronto logo que o amo precisasse dele, e, sem descer daquele que montava saltou para cima do outro, pedindo ao moço “dá-me o arremessão”. Por momentos, terá havido quem julgasse que o abade fugia, mas ele logo voltou ao meio do terreiro, bradando: “Venham matar-me, que aqui estou. Mas antes deixarei cinco ou seis mortos e não sacramentados.” </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Rui Gonçalves da Câmara, mais sensato e mais sabedor da honra de ser homem do que a mulher decerto saberia, disse em alta voz para o Abade que atirasse ao filho outra cana. Os ânimos de uns serenaram, os que temiam ter de obedecer a D. Filipa animaram-se, e a capitoa sentou-se de novo, contrafeita mas obediente como convinha ao seu estado.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Abade voltou ao moço de esporas, devolveu-lhe o dardo, entregou a adarga, e mandou que ele lhe desse duas canas. O rapaz nem se atreveu a perguntar por que razão o fazia, porque sabia que nada nem ninguém poderia demovê-lo fosse do que fosse, para o bem ou para o mal. Aos que estavam perto o Abade falou, dizendo: “Pediu uma cana, dar-lhe-ei duas.” E, empunhando uma em cada mão, correu de peito aberto, de pé sobre os estribos, na direcção de D. Manuel da Câmara, que temeu precipitar-se em atirar a sua cana, porque, se falhasse, ficaria duplamente à mercê do adversário. Confiou em poder defender-se com a adarga, e só atirar quando tivesse o alvo perto de si. Mas, de modo inesperado, o Abade atirou a cana que levava na mão esquerda à altura da cabeça de D. Manuel, que levantou a adarga para se defender. Quase no mesmo instante, apontou à barriga a outra cana. Sem tempo pare se proteger, o jovem cavaleiro foi atingido no ventre. A cana, muito seca e leve, não poderia fazer ferida grave, mas o rapaz não conseguiu conter um “ah”, mais de espanto que de dor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A multidão aplaudiu em delírio, excepto uns quantos que queriam estar nas boas graças de D. Filipa. O Abade desceu do cavalo, tirou o barrete com a mão direita e passou-o para a esquerda, e, dirigindo-se a Rui Gonçalves da Câmara, de modo a que o filho ouvisse também, disse: “Sois pai de um homem. Servir-vos-ei a ambos em tudo, com a minha bênção, a minha palavra e a minha lança. Basta que preciseis de alguma delas. “</div><div style="text-align: justify;"><br />
Nota – Exceptuando a descrição do combate e o final do conto, o mais está de acordo com o relato de Gaspar Frutuoso.</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-62949278785725451372010-06-12T00:11:00.003+00:002010-06-12T01:43:25.580+00:00A Lenda das Sete Cidades<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TBLPT6NQ-eI/AAAAAAAAAM0/XzT-Bo9GCQE/s1600/pastor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" qu="true" src="http://4.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TBLPT6NQ-eI/AAAAAAAAAM0/XzT-Bo9GCQE/s320/pastor.jpg" /></a></div><div style="text-align: center;"><em>Pastor Com o Seu Rebanho</em>, Charles Émile Jacque</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A princesa do reino vem de passeio com a sua ama, e foge-lhe, ao perseguir uma borboleta azul. De repente dá com um pastor na ausência do sono. Pura, pára, em sossego, para não o perturbar. Fascinada pela beleza do jovem adormecido. A ama chama-a, ao descobri-la, e ela faz-lhe sinal de que se cale e não avance. Contempla o pastor, enquanto recua devagarinho, a olhar para ele, porque deseja vê-lo ainda um pouco mais e quer certificar-se de que não desperta. Inventa uma desculpa, diz talvez que um ninho. A ama acredita, voltarão no dia seguinte ao mesmo lugar. A princesa vai chegar-se ao sítio, sozinha, para não assustar o ninho, mente. O pastor desperta com qualquer ruído, ou porque se acabou o sono, e pensa que ainda sonha. A uma princesa pode conceder-se o direito de dizer a um homem “amo-te”. O pastor não o dirá, ainda que o sinta. Mas ela não fala. Os olhos bastam.</div><br />
<div style="text-align: justify;">Todas as tardes se repete o passeio. Até que a desculpa já não pode ser um ninho e o amor se torna sem remédio. Na corte, há quem grite e quem emudeça, conforme os privilégios da hierarquia lhe consentem manifestar-se contra o inaudito escândalo. Três príncipes esperam uma promessa de casamento. A um deles, a princesa poderá ser dada como penhor para um tratado de paz. A outro, como garantia de um contrato de comércio. A um terceiro, para que no seu reino se abram portos a servir de abrigo às navegações dos barcos que seu pai manda a guerras e mercancias.</div><br />
<div style="text-align: justify;">A princesa não entende os negócios do Estado, e só diz um nome e uma vontade. O pai convoca a corte e os três embaixadores dos príncipes pretendentes. A princesa veste os atavios da sua nobreza real, e os três embaixadores julgam que ela vale bem um reino ou uma guerra. A ama recebe ordem de a despir, e ela fica quase nua, por momentos. Contemplam-na o êxtase e a vergonha. Dá-lhe o pai, para que as vista, uma blusa pequena, verde como as ervas que há-de invejar aos animais, quando não tiver o que comer, porque a afasta da sua mesa, e uma saia grande, que lhe cai aos pés, azul da cor do céu que há-de cobri-la, quando lhe faltar abrigo, porque a expulsa do palácio. </div><br />
<div style="text-align: justify;">Há quem chore, não ela. Mais real do que nunca, desliza por entre os nobres, os embaixadores, os criados, desce a escadaria sem pressa e sem temor Não corre, saboreia, calma, o primeiro passeio sem a sua ama, goza, antes do gozo, o fascínio do seu amor liberto. Não pensa nos soldados que hão-de morrer na guerra, nos cedros que o seu reino não venderá, nos barcos que hão-de correr perigos de naufrágio. E imagina-se a ser coroada rainha pelas boninas e malmequeres com que o pastor lhe cingirá a cabeça.</div><br />
<div style="text-align: justify;">O pastor dorme, como sempre, àquela hora. A princesa desperta-o com um beijo. Ele estranha-lhe a roupa, o sinal de que a tomaram livre dos reais deveres, e já pode ser toda dele toda a vida. O pastor não a abraça, não exulta. Quere-a princesa e repudia-a plebeia. Ela vive apenas até ter a certeza de que ele diz o que sente.</div><br />
<div style="text-align: justify;">Os deuses, que não olham a preços para conceder prémios ou exercer vinganças, revolvem as entranhas da terra com mil vulcões, que trazem à superfície todas as safiras e esmeraldas que ela guardava no seu seio. E cobrem, com milhões de pedras preciosas, como as últimas cores que a vestiram, um mausoléu enorme de basalto, que tem a forma do corpo da princesa, e muito fundo para que ninguém o veja nem perturbe o sossego dela.</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-71328127404030903232010-06-02T19:05:00.000+00:002010-06-02T19:05:25.199+00:00Tranças<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TAaqwJ0NYyI/AAAAAAAAAMs/xu-h1UFTd5Y/s1600/tranca_cabelo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/TAaqwJ0NYyI/AAAAAAAAAMs/xu-h1UFTd5Y/s320/tranca_cabelo.jpg" /></a></div><!--StartFragment--> <br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Elvira indecisa diante do espelho. Finalmente, António resolvera cumprir o desejo de mestre Abílio, e o drama da vida de Cristo estava pronto para ser representado. António tivera dificuldade em convencer a maior parte dos actores, porque nenhum deles experimentara antes a arte de representar, mas o mais complicado fora resolver o problema de Cristo e de Judas. No primeiro caso, que qualquer um até desejaria, porque ninguém mostrou coragem para um papel que requeria aprender longas falas e uma presença quase constante em palco, no segundo por causa do odioso da personagem. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Elvira queria sacrificar o seu cabelo para oferecer a Jesus na figura daquele que ia representá-lo. O pecado que a marcara para toda a vida começara com uma brincadeira das mãos do moleiro nas pontas das suas longas tranças. Por elas suavemente se lhe insinuara o demónio, sem pressas nem maldade aparente. Fora subindo pelas tranças acima, chegara à cabeça, com ternura, tocara-a depois na face com um ar de espanto e de súplica. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Se gostava de que o tempo voltasse para trás, de que tudo não tivesse passado de um sonho mau?... Se preferia ter casado, como as outras raparigas da sua idade, de ter vivido pelo menos um dia a ilusão de ser feliz, de ser considerada uma mulher séria e respeitável?... Quem não o haveria preferido?... Os olhos húmidos por causa desses pensamentos do que fora e do que não fora... E Helena?... Helena não seria sua. Helena talvez não fosse de ninguém se não tivesse sido o seu pecado. Mudaria tudo, mas não a trocaria por nada, só lhe daria uns olhos que pudessem ver. Pelo preço de não ter Helena não mudaria um segundo que fosse da sua vida. Que Deus lhe perdoasse a sinceridade íntima de que era testemunha apenas a sua imagem no espelho, com os cabelos caídos pelos ombros, belos e negros, como se tivesse vinte anos, apesar de estar perto dos cinquenta. Uma beleza que ninguém aproveitou depois daqueles devaneios inconscientes no moinho. Pagara tudo tão caro... E, se mais houvesse ainda para pagar, que a oferta do seu cabelo para fingir que era o de Jesus, embora fingido também, fosse a última prestação, porque com mais nada teria com que pagar fosse o que fosse.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Talvez viesse a arrepender-se. Afinal, para Deus o seu cabelo contaria tão pouco, muito menos do que para ela mesma... Ou seria aquela oferta como o óbolo da viúva pobre de que Jesus falava no Evangelho? Seria Deus tão exigente que uma vida inteira de sacrifício não bastasse para apagar a memória de uns momentos? Quantas vezes fora feliz, e quanto fora feliz nessas poucas vezes? Um vale de lágrimas, o seu percurso neste mundo. É certo que António secara algumas, Deus lhe pagasse tão grande bondade. Ou seria António a janela que Deus abrira depois de se lhe ter fechado a porta da felicidade possível? Era António uma dádiva de Deus, ou uma dádiva de si mesmo? Seria que tudo o que é bom na vida é dado por Deus, e aos homens e mulheres só lhes resta decidir entre fazer ou não fazer coisas mal feitas? Não dissera Jesus à mulher adúltera que fosse em paz e não voltasse a pecar?... Ela não voltara a pecar, pelo menos pecados grandes, desses da carne, ou dos da alma, feitos de ódios e malquerenças. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Deus já lhe teria perdoado, de certeza. Ia chegando ao fim de fazer seis tranças, para que fosse mais fácil cortar o cabelo mais ou menos todo por igual pela base delas. Quando percebessem como estava curto, haveriam de anotar-lhe mais essa leviandade. Não se importava. Nem sequer diria, em sua defesa, a quem o dera. E, se o dissesse, talvez ainda pensassem que cometera um sacrilégio, ou que a sua intenção fora esconder um acto de vaidade por detrás de uma aparente boa intenção. Hesitou ao tocar com a tesoura na primeira trança. Valeria a pena o sacrifício? Ao fim de tantos anos ainda serviria de alguma coisa apagar uma recordação?</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">A trança caiu quase ao mesmo tempo que duas lágrimas.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">(Do romance <i>A Terra Permitida</i>)</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><!--EndFragment-->Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-71490006930947926552010-05-24T23:50:00.000+00:002010-05-24T23:50:59.245+00:00Para Elisa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S_sQKh4fXBI/AAAAAAAAAMk/7A6l713j9lc/s1600/Angra_Por+do+Sol.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" gu="true" src="http://3.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S_sQKh4fXBI/AAAAAAAAAMk/7A6l713j9lc/s320/Angra_Por+do+Sol.jpg" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Numa cidade com "Memória", o longo adeus do Sol de cada dia.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">(fotografia <a href="http://www.photonunosa.com/">Nuno Sá</a>, gentilmente cedida por <a href="http://www.veracor.pt/">Ver Açor</a>)</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com20tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-28328442072498460652010-05-09T23:22:00.001+00:002010-05-09T23:22:34.989+00:00O cagarro<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S-dCYlR-XOI/AAAAAAAAAMc/fyArniPB0rA/s1600/cagarro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S-dCYlR-XOI/AAAAAAAAAMc/fyArniPB0rA/s320/cagarro.jpg" /></a></div><div style="text-align: center;">Cagarro (<i>Calonectris diomedea</i> ), em algumas ilhas dito "cagarra", ave da família das pardelas. </div><div style="text-align: center;"><a href="http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cagarro_-_Calonectris_diomedea_borealis.JPG">Fotografia de Luís Silveira, licenciada pela Creative Commons</a></div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Acabaram-se as ceifas e as debulhas, as vindimas e o vinho doce. O pão a haver foi guardado nas casas-de-milho, os garajaus e os cagarros rumaram a Sul. Quando já com os primeiros frios do Outono apetecia aconchegar mais roupa ao corpo e mais mantas na cama, António descobriu num canto do quintal um casal de cagarros que haviam interrompido a viagem acabada de começar, porque um deles estava doente.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;"> Nunca roubara um ovo àquelas nem a outras aves, a não ser uma vez, muito criança ainda, de um ninho de canários. E até chegara a meter-se numa briga de pedradas com dois rapazes que se preparavam para pegar fogo a um cagarro que se perdera em terra. Rachara uma das cabeças, e fugira para a justiça que a mãe não tardou a cumprir, porque ainda corria o sangue da ferida aberta pelo tiro certeiro e já a avó do ofendido esbracejava rua abaixo, gritando de tal modo que poderia ouvir-se em Ramá, se ela fosse Raquel e outra a geografia. Garantiu que o neto estava às portas da morte, com menos um alguidar de sangue nas veias e marca para toda a vida na cabeça, se escapasse. Pelos berros que ele deu e pela velocidade com que fugiu aos gadanhos da mãe quando esta lhe desinfectou a ferida com aguardente, facilmente se teria percebido que seria imortal se a cabeça fosse o seu calcanhar de Aquiles. Ficar-lhe-ia de facto para sempre a cicatriz, no caminho de passagem da risca do cabelo penteado para a direita, inaugurando uma nova alcunha na família, o “Cabeça Rachada”, que passaria aos filhos e aos netos por via varonil. A aguardente reabrira-lhe alguns capilares que começavam a fechar, e o conjunto dela com o sangue escorria pela cara e pelo pescoço até à camisa encardida, como se fosse o Cristo dos Terceiros. Um dos irmãos assistia à retirada com um espeto na mão, cheio de teias que fora escarafunchar nos buracos dos carochos, que eram do melhor que havia para estancar hemorragias daquelas. A mãe veio à porta e proclamou “urbi et orbi”: “Se apilho aquele demónio, racho-lhe a cabeça do outro lado, alma do diabo!” Entretanto a avó garantia à mãe do justiceiro que o neto era um anjo sem mácula e António um ferrabrás.</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;">Aquela não fora a primeira desinfecção tentada, porque haviam pedido ao irmão mais novo que urinasse na ferida. O pequeno, que no Verão já não andava com o rabo à fresca nem o arrastava no chão de terra batida da casa até ficar negro, e roxo do frio, não o conseguiu por vergonha, ao mesmo tempo que a desorientação de vozes e correrias à sua volta o inibia e o alvo se mexia inquieto no seu campo de pontaria.</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"> No dia seguinte, ao passar por acaso à porta do guerreiro em baixa, o doutor Fraga analisou os beiços da chaga. O rapaz esperneou e voltou a berrar desalmadamente enquanto a mãe e a avó o seguravam para o exame clínico feito por caridade. O diagnóstico foi o de que aquilo teria sido coisa para uns dois ou três pontos, mas que não vinha mal nenhum ao mundo por não ter levado os agrafos. E, ao ver a persistência da gritaria que acompanhava o espalhafato dos gestos, afirmou que não havia perigo de infecção porque ele não podia lamber o lanho. A mãe que lhe pusesse um pouco de tintura e, se a não tivesse, repetisse a dose de aguardente. Dose repetida imediatamente, ante a ideia de ser lavado com cachaça outra vez, foi a da gritaria e dos pulos descontrolados, que serviram de pretexto para que a mãe, impaciente e descansada porque não cabia a morte por aquele postigo aberto no casco do filho, o desancasse por conta do petróleo que lhe roubara para pegar fogo ao cagarro.</div><span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12pt;"></span><br />
<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12pt;"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></span><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12pt;">(Do romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Terra Permitida</i>)</span></div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-4412429215433459102010-04-29T10:56:00.002+00:002010-04-29T10:57:46.705+00:00Finalmente iguais<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S9llanXis7I/AAAAAAAAAMU/LYX2k9Tf7gE/s1600/Ru%C3%ADnas+de+Eldena.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S9llanXis7I/AAAAAAAAAMU/LYX2k9Tf7gE/s320/Ru%C3%ADnas+de+Eldena.jpg" /></a></div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: center;">Caspar David Freiderich, <i>Ruína de Eldena </i>(cortesia de <a href="http://www.casparfriederich.org/">www.casparfriederich.org</a>)</div><div style="text-align: center;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;">Apesar dos cerca de noventa quilos, distribuídos mais em largura do que em altura, com que exibia o seu estatuto social, e de ter mais de quarenta anos, continuava a ser chamado “menino Horácio”. No entanto não foi assim que mestre Abílio o tratou, mas por “senhor”. A mulher estava com os dias contados, e ele mesmo queria encomendar um caixão que fosse digno da desditosa senhora, cujas entranhas iam sendo roídas por um bicho, salvo seja, que só deixaria para os vermes, a quem deveria ser dada a carne, pouco mais do que os ossos sob uma pele translúcida como papel molhado.</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;">Chamava-se Maria do Carmo, e era filha de um morgado da Ribeira Grande, daqueles que só conseguiram sê-lo porque havia sido inventada, somente para a zona daquela vila, a vara pequena, que retirava a cada alqueire de terra mais de um quarto da superfície dos alqueires de vara grande, pelo que um hectare valia mais de dez, dos falsos, bem medidos, em vez de pouco mais que sete dos verdadeiros. Mas título era título, ainda que extinto pelo governo do duque de Loulé, e, se ela trazia o sangue meio azulado, o marido tinha a riqueza que lhe faltava para que a baixa fidalguia não lhe fosse inútil, ainda para mais prejudicada pela sua condição de mulher. Desde que casara, passara a ser apenas “Dona Maria”. Chamá-la “Dona Maria do Carmo” não a distinguiria em mais do que uma vintena de mulheres com esse nome, mas fazê-la “Dona Maria” era proclamar a sua vantagem sobre todas, porque todas eram Marias e apenas ela a “Dona”.</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;">A sua morte seria, de alguma forma, uma consolação para a fatalidade dos pobres. Não que a detestassem, pois se a senhora nunca fora notável por grandes rasgos de virtudes tão-pouco o fora por defeitos, mas porque viam nela cumprida aquela lei de igualdade de que nem todo o açúcar de que precisou a salvaria. Mas essa mesma morte assustava também, porque se nem os ricos, que podiam comer toda a carne e todo o doce que quisessem, escapavam à gadanheira aos trinta e seis anos, que poderiam esperar os crónicos famintos de sopa, pão de milho, chicharros e pimenta? </div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;">A senhora sempre fora frágil, mãe de dois filhos que morreram com uns dias de vida e de outros dois nados-mortos, com certeza porque o sangue, que mal parecia sustê-la, não tinha força para valer como devia a uma criatura gerada no seu ventre. De nada lhe serviram as gemadas frequentes, as sopas de cavalo cansado feitas com vinho tinto do Douro e adoçadas com açúcar inglês, nem as papas de farinha Santa, que o estabelecimento de George W. Hayes, de Ponta Delgada, anunciava como “ferruginosa e substancial devidamente analisada e classificada pelo Laboratório de Higiene de Lisboa e recomendada por distintos clínicos da capital. Superior a qualquer outra farinha deste género. Útil para a cura de tosses, anemias, debilidades, etc. e um completo alimento para crianças e convalescentes.” Nem sequer se podia dizer que a pobre senhora morria consolada porque, apesar do cálice de vinho do Porto tomado em jejum para lhe abrir o apetite, sofrera sempre de fastio, um mal estranho que, na freguesia, talvez fosse a única pessoa que sabia o que era. </div></div><div class="MsoBodyText"><div style="text-align: justify;"><br />
</div></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">(Do romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Terra Permitida</i>)</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2359592506641990252.post-26397483341535572602010-04-20T01:07:00.000+00:002010-04-20T01:07:57.248+00:00Rita Gorda<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S8z9N2JDQLI/AAAAAAAAAME/JMT0bW6eiqk/s1600/StoriesGrandmaNeverTold.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S8z9N2JDQLI/AAAAAAAAAME/JMT0bW6eiqk/s320/StoriesGrandmaNeverTold.jpg" wt="true" /></a></div><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">Rita da Silva não era a noiva que Frank Lewis desejara. Quando ele deixou o Faial a caminho dos Estados Unidos, prometeu a sua irmã Carolina que a chamaria logo que tivesse dinheiro suficiente. Os anos passaram sem uma palavra de Frank. Cansada de esperar, Carolina emigrou por sua conta e risco e casou-se com outro.</div><br />
<div style="text-align: justify;">Inesperadamente, Frank mandou cinquenta dólares para pagar a viagem da noiva para os Estados Unidos. A resposta foi a de que ela estava casada. A única que restava era a irmã chamada “Rita Gorda”. Com 1,77m de altura e 90 kg de peso, essa última irmã solteira não era bonita, mas, como Frank tinha enviado já o dinheiro, concordou em que ela deveria ir.</div><br />
<div style="text-align: justify;">A viagem foi um horror. No barco, Rita esteve sempre enjoada e custou-lhe muito arranjar um lugar reservado que servisse de quarto de banho. A família prevenira-a para não comer a comida de bordo porque o barco era muito sujo, e assim ela alimentou-se de pedacinhos de pão e queijo que levara de casa. Só falava Português, e não teve ninguém com quem conversar durante a longa jornada. A sua única companhia era um livrinho de orações.</div><br />
<div style="text-align: justify;">Desembarcou em Boston, mas tinha ainda um longo caminho a percorrer. A etiqueta da mala pequenina que era toda a sua bagagem dizia Frisco, USA. Agora ia dirigir-se para Ventura, Califórnia, centenas de milhas a sul, mas era sempre o mesmo caminho para os viajantes de Leste. A única coisa que conduzia Rita pelo país fora era o bilhete pregado no casaco, que explicava quem ela era e para onde ia. Quando alguém lhe perguntava, apenas o mostrava. Teve medo também de comer no comboio. Apesar de os revisores terem sido simpáticos quando lhe ofereciam das suas sanduíches, ela pensou que estavam a tentar envenená-la. “Não comas nada, se não souberes o que é”, havia sido prevenida muitas vezes. Sacudia a cabeça e dizia: “No, no, no.” Os desconcertados revisores insistiam: “É bom. Come.” Mas Rita continuava a negar.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S8z-CL36uNI/AAAAAAAAAMM/fTgVa_dhbOA/s1600/Rita+Gorda.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/_NioAhxs1c4k/S8z-CL36uNI/AAAAAAAAAMM/fTgVa_dhbOA/s320/Rita+Gorda.jpg" wt="true" /></a></div><br />
<div style="text-align: justify;">Comida de estranhos não foi a única perturbação da viagem. O comboio parou em Chicago antes da mudança para um linha que atravessaria o sul dos Estados Unidos. Os passageiros deveriam sair, mas Rita desesperadamente teimava em ir para a sala de espera. Agarrando-se à mala e andando cuidadosamente com o primeiro par de sapatos que tivera, apressou-se a ir para o depósito de bagagens. Aí, um negro que tocava banjo “saltou na sua direcção”, contava aos filhos mais tarde. “Ele era como um macaco pequeno.” Aos ouvidos de hoje, isto soa como um terrível preconceito, mas Rita nunca vira um negro. Estava tão assustada que molhou as cuecas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quando finalmente saiu do quarto de banho, agarrando ainda as suas coisas com medo de ser roubada, não sabia que caminho tomar para voltar ao comboio. Ficou de pé chorando, aterrorizada por poder ser deixada atrás. O comboio estava prestes a partir quando o revisor reconheceu a portuguesa perdida e a trouxe de volta.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Certamente que as suas tribulações deveriam ter acabado quando alcançou a Califórnia, pensou ela, mas ia apanhar outra desilusão. A grande e humilde mulher foi recebida por um homem pequeno com um casaco de couro. Tinha 1,65m e ficava-lhe pouco acima do ombro. Fumava e conduzia uma mota. Ela olhou-o de relance e explodiu em lágrimas. Mas não tinha escolha. Ele pagara-lhe para vir, portanto tinha de tornar-se sua mulher.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Excerto do livro Stories Gandma Never Told, de Sue Fagald Lick, escritora americana de ascendência açoriana. A tradução correu por minha conta. Esta escritora tem uma página pessoal com o endereço <a href="http://www.suelick.com/">http://www.suelick.com/</a>)</div>Daniel de Sáhttp://www.blogger.com/profile/03309448619010346654noreply@blogger.com13