Vulcão dos Capelinhos (fotografia gentilmente cedida pela editora Ver Açor)
“Chamar-te adormecida? A bela?”
“...as classes sociais diluídas no inglês polícromo dos iates, no generoso gin do Peter. O cosmopolitismo urdindo um certo rosto liberal, mas tão-só. Os turistas afogam-se no azul das hortênsias. E depois? Quem nos acode? A fruta do Pico tem já um internacional sabor a plástico.”
É assim que a Horta é dita por Urbano Bettencourt, poeta da ilha em frente, a da “montanha emboscada na sua teia de nuvens”, a quatro milhas mal medidas de distância.
A Horta foi ela mesma e outros mundos. Nasceu portuguesa e flamenga, da imaginação e da vontade de Josse van Hurtere, senhor do Faial por mercê do infante D. Fernando, de quem a formosa vila do século XV também terá recebido o nome. Foi porto de paragem e aguada para os navios da América, descanso de marinheiros que andavam à ventura e desventura dos sete mares, repouso de missionários que iam para o Brasil ganhar o Céu para as suas e outras almas. Ligou pelo telégrafo as duas margens do Atlântico, abasteceu de carvão os barcos a vapor, estreou o correio aéreo trazido num avião da Pan American que amarou na sua baía. Acolhe a maior parte dos veleiros que percorrem estas velhas rotas e recebe no Café Sport – o “Peter” – os seus tripulantes, que fazem do paredão da doca um enorme painel onde deixam pintado o registo da sua passagem.
É na cidade da Horta que está o parlamento açoriano e que vive quase metade dos quinze mil e quinhentos habitantes da ilha, que falam talvez o mais belo português de Portugal, apesar de terem sido flamengos muitos dos primeiros povoadores.
Quem acredita que havia alguma exactidão nos portulanos do século XIV identifica o Faial como a ilha da Ventura. Provavelmente não o será de facto, mas poderia ter justificado o nome tanto quanto este que recebeu pala abundância de faias que havia nela. Também é conhecida por Ilha Azul, a cor das hortênsias que ornamentam caminhos e servem para dividir pastagens e terrenos agrícolas, como longas pinceladas na suave paisagem que sobe desde o mar até mais de mil metros de altitude, nos limites de uma impressionante cratera, a Caldeira. Os seus 172 Km2 de superfície foram ligeiramente acrescentados pelo vulcão dos Capelinhos, onde pode assistir-se à tenacidade com que a vegetação pioneira começa a conquista dos solos vulcânicos.
O Faial é o vértice de um triângulo que se completa com o Pico e São Jorge. Uma beleza alucinante a que ninguém fica insensível.
(Do livro Açores, editado pela Everest. A editora não autoriza a transcrição.)
9 comentários:
Anualmente, reservo um dia de Agosto para visitar o Faial.
"Religiosamente".
A manhã é suficiente para dar a volta à Ilha, visitando os pontos essenciais.
Varadouro, Capelinhos, Caldeira, Ribeirinha, Pedro Miguel, Almoxarife.
Em dia de sol, conheço poucos passeios tão agradáveis. Sossego, admiração, êxtase. Mesmo por tudo aquilo que já se conhece bem.
A tarde é para a Horta.
A "cidade miniatura", como lhe chamo.
Gosto de caminhar lentamente pelas suas ruas, fotografar isto e aquilo, repetidamente, sempre.
De vez em quando espreito o Pico.
Também ele me vê.
E a ele regresso numa das "lanchas" (expressão antiga...) que atravessam o canal, com um livro ou um cd da "Ilha Azul".
Não calculam quanto eu gosto desse dia de férias.
Zé Augusto, deixaste-me sem palavras... por hoje!
Lindo, lindo o que escreveste!
O Faial, Ilha da Ventura!
Lá passei muitas horas de vida, dias, meses... Tempos sem fim e sem regresso. E a saudade passa sempre lá.
Falo do Faial, que é a Horta. A cidade que é tutelada pelo gigante, a ilha em frente, ou como diria um amigo meu, quando eu não sabia descrever o feitiço dessa cidade que me fez embalos e que me faz estremecer de saudades, ele resumia: a magia da cidade decorre da forma correcta do Pico.
É. A Horta tem outra coisa. É a bela adormecida. É a princesa apaixonada, aprisionada por amores que nunca trai, nem nos trai nesse sono de beleza.
Foi na Horta que conheci o Daniel, no parlamento açoriano, a Margarida...e tanta gente "alta".
Meus pais atiraram-me ao mar, para que lá crescesse e tivesse alguma bengala que me fosse apoio.
Nadei, foi nadando e bebendo águas. E se hoje tenho sede, em águas "salmas" procuro a Horta.
E dessa mestiçagem de línguas e de afectos, nesta viagens marítimas e áeras, nestas ligações e solavancos, que o Faial se fez e nos faz.
Daniel, és tu quem resume e diz tudo. Falas da história e da geografia e pintas com as aguarelas da poesia, uma prosa que... ganha o céu sem voar para o Brasil e conquista almas sem sermões.
Só tu para partilhares tanta gentileza.
Daniel,
A tua prosa suscita comentários que são outras prosas de se lhe tirar o chapéu.
Para o ano irei conhecer a "cidade em miniatura", a «bengala» da mar-ia,certamente tão graciosa e tão forte quanto o mar para onde a atiraram e onde colheu as ondas altas da espuma poética, tão altas, que até o continente se encharca do «feitiço» delas.
Só há muito pouco tempo conheci o Faial. Fiquei gostosamente cativo.
Sei que parte desse encantamento se deve à especial maneira de receber do José e do João Decq Mota... mas isso por si só não pode explicar uma paixão à primeira vista.
Uma vez mais a beleza dos comentários superou a do "artigo de fundo". Não fico com ciúmes, por causa disso. Fico é orgulhoso de poder contar com tal companhia.
Como a Margarida disse de uma maneira magnífica há dias, o Pico olha-nos também. É como se tivesse vida. E é visto do Faial que ele é mais belo. Mas a ilha, e sobretudo essa "miniatura" de cidade, tem de facto o condão de nos cativar à primeira vista.
Deixo o meu abraço para vocês, e repito a afirmação do fascínio que a Mar-ia expressou. Tanto mais que, naquele tempo, ainda éramos jovens cheios de confiança num futuro que pensávamos estar ajudando a construir. A maior parte dos deputados tinha pouco mais de trinta anos. A Mar-ia (a suave Mercês) nem a isso chegava. Naquele tempo, amadurecia-se mais cedo e sonhava-se até mais tarde.
Hoje estou com medo de pisar este «chão».
Depois desta imagem fabulosa(o negro e o azul em comunhão),depois de ficar a conhecer mais um retalho do arquipélago trazido pelo Daniel,depois de observar o tapete lindíssimo de sensibilidades aqui testemunhadas que nos levam e convidam a sair de nós,que devo fazer ou dizer?
-Ficar a olhar e a olhar,não vá «estragar»,ao passar.
Eduarda,
Como tu olhas com tanta leveza!Se os passos forem assim, podes passar e passar, que nada estragas.Só acrescentas.
Para o ano iremos as duas descobrir o paraíso.
Eduarda, negro como os teus olhos e azul como o céu sem nuvens. Mas podes olhar à vontade, que os olhos nada estragam.
Que as ilhas vos recebam como vocês merecem.
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