terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A Lenda dos Reis


A viagem dos Magos, de James Jacques Joseph Tissot

Em Sippar, na Babilónia, fora primeiro Baltasar quem percebera o sinal. Entre as estrelas da constelação dos Peixes, signo das terras do Mediterrâneo, uma luz mais forte predizia grandes coisas para o Ocidente. Júpiter, anunciador de fortuna e protector de reis, juntava o seu clarão ao de Saturno, a estrela de Israel. Baltasar descera, sem demora, do terraço onde estivera vigiando o céu, para despertar Gaspar e Belchior e lhes ouvir o conselho. Surpreendidos pelo vigor da mão e pela voz tremente do companheiro que assim lhes suspendia o sono, levaram tempo a compreender ao que vinha.

Baltasar explicou-lhes, perturbado, o que pensara do sinal celeste. Que talvez o Messias tivesse, enfim, nascido, nas terras da Palestina. Gaspar e Belchior subiram, com Baltasar, a perscrutar o céu. Brilhando claramente na imensidão da abóbada, a constelação dos Peixes tinha por companhia uma luz muito forte. Júpiter e Saturno, ali onde o Sol acaba um ciclo e começa outro, pareciam anunciar que um poderoso rei nascera para trazer aos homens a salvação de Deus. E assim Javé daria ao Povo Eleito, disperso pelos confins de além-Jordão, a notícia de que chegara o Messias de Israel. Os três magos contemplaram o sinal do Senhor até que o Sol, subindo para lá dos Montes Zagros, o apagou na luz.

Tinham viajado já por longes terras. Sabiam as estradas da Média e da Susiana, conheciam as ruas e os palácios de Artemita, Apolónia, Chala e Ecbátana, de Seleucia e Alexandria da Susiana. E descansando, num entardecer, à sombra dos muros orientais de Methone, sonharam com Persépolis e Passárgada. Tinham subido o Tigre e o Eufrates até Singara e Dura-Europus. Mas a viagem que agora imaginavam, em busca do Messias prometido, de Sippar à Palestina, seria mais longa e mais custosa do que todas, sobre o deserto da Síria.

Quando lhes foi propício o tempo, deixaram a Babilónia por Neopólis, a caminho do Jordão. Quase dois meses mais tarde, à vista do Monte Nebo se lhes toldou o olhar. O país dos Moabitas era vizinho já do seu destino, e ali morrera Moisés contemplando Canaã. Ao outro dia, a caravana espantou o sossego de Jericó, Betânia e Betfagé, e, depois de descer o Monte das Oliveiras e passar pelo vale do Cedron, os peregrinos entraram em Jerusalém, com os olhos sempre postos no pináculo do Templo, para louvar Javé no Átrio dos Gentios.

O brilho da estrela que os guiava perdeu-se por entre as luzes do palácio de Herodes, no outro lado da Cidade Santa. Se procuravam um rei, decerto no palácio de outro rei fora nascido. E os magos acreditaram que era ali o seu destino. Mas ainda não. Mais para o Sul, pois de Belém de Judá anunciara o Profeta que um Príncipe sairia a apascentar Israel.

Os magos, pela estrada de Belém, viram, uma vez mais à sua frente, a estrela que seguiam. E, aos pastores que pernoitavam nos prados em redor da Cidade de David, fizeram a mesma pergunta com que haviam inquirido um rei no seu palácio. Ouvindo-os dizer “Messias”, a única palavra que entendeu do culto linguajar dos estrangeiros, os olhos de um velho brilharam num lampejo de felicidade. E, correndo à frente deles como criança que fosse, morriam as estrelas já no firmamento quando parou, numa casa de pobres em Belém, e os fez compreender que era nela que vivia o Messias prometido.

E foi ali que entregaram os seus presentes de oiro, incenso e mirra.

(Em A Longa Espera, Signo, 1987)

7 comentários:

Unknown disse...

Pergunto-e muitas vezes por que razão os que dizem acreditar em Jesus, filho de Deus, e na sua doutrina, não entendem o significado do Seu nascimento numa cabana pobre.Como não entendo o luxo do clero e da Igreja,que carrega a culpa de muita descrença e falta de fé.
A história do Menino Rei continua a fascinar-me e a levantar-me muitas interrogações.
Espantoso é ver como dominas esses topónimos e como descreves as estrelas e as constelações com tanto pormenor. E mais espantososo ainda é falares da "constelação dos Peixes, signo das terras do Mediterrâneo", tu, peixe da água, da terra mais linda que conheci.

Anónimo disse...

Daniel,

Magnífico texto.

Nunca percebemos a razão da oferta de oiro, incenso e mirra a um recém-nascido. Haverá algum motivo específico?


Daniel um 2010 pleno de saúde e de saúde e por último de MUITA SAÚDE.

Beijinho


Mafalda e Francisca

mariana disse...

Gostava de ter estado no Belém quando Jesus nasceu.Quem eram de realidade esses três reis magos?Sempre os ponho no presépio mas nunca me explicaram quem são.

Desejo-lhe tudo de muito bom para o novo ano.

Beijinhos

Daniel disse...

Lia
Conheces esses que ostentam porque dão mais nas vistas. Mas, só para falar de antigos companheiros, posso dizer que há quem tenha feito o percurso inverso. Saídos de famílias abastadas, mesmo burguesas, tenho amigos que andam pelas zonas mais negras e mais pobres de África e da América.
Quanto aos nomes, querida amiga, basta ter um mapa da época à disposição, e está lá tudo...
Mafalda e Francisca
O oiro era oferta própria de ser feita a reis; o incenso, a Deus; a mirra - usada para perfurmar os mortos - significa a humanidade de Jesus.
Mariana
Tenho um texto escrito sobre isso, mas resumo. Estas personagens são quase de certeza simbólicas, e, na realidade, não terão existido. Mas o relato que faço neste conto é aproximado do que seriam os magos que teriam visitado o Menino, homens dedicados ao estudo da astronomia (que se confundia naquele tempo com a astrologia). Havia de facto umam grande escola dessas em Sippar, cidade muito próxima da Babilónia.
Abraços.
Daniel

samuel disse...

Todos somos "reis magos"... todos temos que dar os nossos presentes a uma ideia salvadora que vá mudando o mundo, se possível, distinguindo-a dos pretensos "salvadores" que nos vão impingindo ao longo do caminho...

Abraço.

jv disse...

ara Lia, é mesmo assim como o dizes, o espaço e o tempo na obra do Daniel, além da verossimilhança natural de qualquer obra literária, são duCm rigor científico e histórico, que aliados à beleza da sua escrita o tornam realmemte único.
Posso dar dois exemplos,para exemplificar melhor o que afirmo.Na descrição duma tempestade,por exemplo, o fenómeno descrito obedece ao ambiente natural como se processa na natureza tal fenómeno e para isso o Daniel, préviamente, além dos seus conhecimentos, contacta por exemplo com um meteorologista que descreve cientificamente como se processa tal fenómeno,que posteriormente é transportado para os seus textos com o tal rigor científico.
Outro exemplo, o Daniel publicou um conto,há muito tempo, num dos nossos jornais que se intitulava « A Crucificação», que relatava a crucificação de alguém há dois mil anos atrás. Um colega meu que o tinha lido, abordou-me e elogiou muito o conto, mas ficou muito surpreendido, quando o informei que, o que lera, não era somente um texto ficcional, mas muito mais do que isso, que poderia ser, perfeitamente, considerado um documento histórico, porque, por todo o processo, que o condenado à crucificação tinha passado, era exactamente reproduzido como se fazia naquele tempo.
O mimetismo com que consegue abordar, o espaço e o tempo de outros grandes escritores, como por exemplo o Padre António Vieira leva a que muito dificilmente alguém possa distinguir, claramente, uma carta escrita por ambos.
A sua paixão pela História, leva-o a recriá-la em qualquer tempo, genialmente.
É por isso, que, quando o leio, me sinto um privilegiado, por estar indentificado com o seu mundo, que é também afinal um bocadinho do meu.
Um grande abraço.
José Fernando.

Daniel disse...

Samuel
A única condição é que ninguém se julgue dono da verdade. Que cada um tenha a humildade de admitir que pode estar errado. E que reconheçamos que somos todos iguais.
José Fernando
Faz-se o que se pode... E, quando se tem amigos como tu, até parece que se faz mais do que se pode.
Um par de abraços.
Daniel