domingo, 28 de março de 2010

Vigarice, digo eu




Imagine quem me lê que recebe, nos Açores, uma mensagem electrónica em que lhe são pedidos 42€ para levantar uma encomenda na alfândega do aeroporto Sá Carneiro. “Delete”, não é? Foi o que fiz, há uns meses, convencido de estar a ser aliciado para uma burla. Mas, no dia seguinte, o Francisco Cota Fagundes perguntou-me, dos EUA, se eu recebera o pacote. Foi então que a verdade caiu em mim. O meu amigo enviara-me cópia do original do seu novo livro para eu dar parecer e alinhavar prefácio. Voltei a receber notícias da alfândega e, logo depois, da FedEx, o transitário que se encarregara de fazer chegar a coisa a Portugal, mas como se se tratasse de outra Maia.

Resumo o enredo da rábula. Nos EUA pediram declaração do valor da encomenda, e a Deolinda, mulher do Cota Fagundes, que fora tratar do envio, arredondou em dólares o preço das fotocópias, e disse trinta. Para despesas da viagem, fizeram a senhora despender mais de oitenta. A alfândega, somando um valor e outro e dividindo mais ou menos por dois, encontrou a taxa que eu deveria pagar ao Estado. Quanto à FedEx, com delegação em Moreira da Maia, não me poria a encomenda nesta Maia micaelense sem o pagamento do envio de lá para cá.

Como era fácil substituir as fotocópias por outras, dei autorização para que fossem queimadas. O meu amigo mandou-as também para a fogueira. Mas não queimariam as folhinhas sem um de nós pagar os 42€. Entretanto, um funcionário americano da FedEx tentara convencer o Francisco Fagundes de que só há uma Maia em Portugal. E, pior do que isso, garantia-lhe que os Açores são uma região de Espanha! O meu amigo acrescentou esta história às outras do livro. E está muito satisfeito por ter assegurado a eternidade num pacote que jaz numa alfândega do Porto. Porque, enquanto um de nós não pagar os ditos euros, não o queimam.

P.S. – Quem vir por aí, daqui a uns meses, um livro chamado “A Lagoa dos Castores” e Outras Narrativas da Minha Diáspora, não perca a oportunidade de se deliciar com três dezenas de excelentes histórias.

domingo, 21 de março de 2010

Um Poeta da nossa casa (paráfrase sobre um poema de Emanuel Félix)

Emanuel Félix (1936 - 2004)

Como eu amo este poeta cá de casa!
(Da nossa casa, concha nove vezes repetida.)

            Discreto fabricante de palavras,
            Guarda o seu sonho como se guardasse o nosso,
            Como se lhe tivéssemos dado todos os poderes
            De dizer o que haveríamos de dizer
            Se o pudéssemos dizer.
            Como se nascesse nos seus versos
            O canto mudo da nossa casa nove vezes calada,
            Nove vezes cercada antes da própria fala.
            Nulo é o chão sob os seus pés
            Que anunciam a paz enquanto se ouvem palavras
            Tão suaves como todos os silêncios.
            E fica um rastro suave de bondade,
            Como um cheiro de pão quente
E de leite acabado de ordenhar.
            E qualquer hora do dia é sempre madrugada,
            Quando escutamos a inquieta maresia
            Onde começam as viagens possíveis
            Com santo e senha leves e frescos
            Como as folhas na Primavera.
            Não sabemos a cor dos seus olhos,
            Mas sabemos que neles também se acende o sol
            Quando as sombras pousam
Sobre a concha nove vezes repetida.

Esse o destino dos que anunciam a paz,
Com o talento imenso da bondade
E a bondade imensa do talento.

(De vez em quando
Deus tem momentos de generosidade como este:
Repete o Seu gesto criador do sexto dia
E dá-nos, sem que o saibamos merecer,
Um Homem assim.)

                               Daniel de Sá

quinta-feira, 11 de março de 2010

O que se diz dos Açores!...



Assis Brasil, um dos melhores escritores de Língua Portuguesa, é natural de Porto Alegre e descendente de açorianos.


Numa viagem virtual pelos atalhos da Internet, encontram-se informações sobre os Açores absolutamente fantasiosas. Para todos os gostos... ou desgostos. Há por exemplo um sítio francês, da responsabilidade de uma organização de ajuda aos países pobres da África, que nos põe no primeiro lugar da lista, elaborada por ordem alfabética. Mas, dito por uma nossa Direcção Regional da Cultura de há vinte e tal anos, pode ler-se que a música do hino dos Açores foi escrita por Teófilo Frazão! Outros sítios copiaram a informação, e o erro multiplicou-se, enevoando a verdade e a memória de Joaquim Lima, regente da banda Marcial Bom Jesus, de Rabo de Peixe, que o tocou pela primeira vez em 1894. Não haverá alguém que lhe devolva a autoria?

Há algum tempo, o meu amigo Manuel Estrada, médico no Cartaxo, descobriu um sítio do departamento de cultura de um simpático município brasileiro. Lá se dizia que o povoamento dos Açores foi feito à base de criminosos, mendigos e velhos. O pior é que mesmo entre nós não falta quem tenha a ideia de que os primeiros açorianos foram sobretudo foragidos. Não imagino como nasceu a lenda. Gaspar Frutuoso deixou a lista dos principais entre essa gente, que pertencia à melhor fidalguia do Reino. É verdade que alguns condenados foram mandados para cá, mas não se tratava sequer de grandes criminosos, porque esses eram castigados com a forca, membros decepados ou, mais tarde, desterro para S. Tomé, o mais terrível dos exílios. Entre os que vieram cumprir tal pena para Santa Maria, conta-se, por exemplo, uma menina de dez anos, condenada por ter matado, acidentalmente por certo, uma criança.

E será que vieram velhos, como constava no tal sítio? Trata-se com certeza de confusão com o nome da ilustre família dos Velhos, pois que vários foram os familiares de Gonçalo Velho Cabral, comendador de Almourol, que se lhe juntaram em Santa Maria, mas todos homens na força da vida ou muito jovens mesmo. Pobres também vieram, naturalmente, para todos os trabalhos que os fidalgos não faziam. Mas não mendigo, com certeza. E, se eram mendigos no Reino, cá deixaram de o ser.

No mesmo sítio dizia-se que para a colonização do Brasil, a meados do século XVIII, foram enviados muitos velhos e doentes. Pura invenção. Perderam-se todas as relações de emigrantes, mas, a serem cumpridas as exigências da Coroa, os homens não teriam mais de quarenta anos e as mulheres trinta.

O problema parece estar na existência de duas correntes no Sul do Brasil. Uma que vai mantendo e reavivando as suas raízes açorianas, de que se orgulha, outra que vê nesses mais de seis mil emigrantes a razão de algum atraso do Brasil meridional. Em contraponto, a colonização italiana, e sobretudo a alemã, seria a de todas as virtudes. Ora os açorianos foram pioneiros absolutos. A sua função principal foi assegurar a presença portuguesa nas fronteiras com as colónias espanholas, garantindo o cumprimento do tratado de Madrid. Para isso, tiveram de suportar dificuldades sem conta. Se o clima não lhes era adverso, já os terrenos agrícolas eram totalmente distintos dos nossos. Tratava-se de solos sedimentares, menos férteis do que os vulcânicos das ilhas, que não permitiam a maior parte das culturas a que estavam habituados, a começar pelo trigo, o que os obrigou a aprenderem a usar a farinha de mandioca.

Foram eles que desbravaram. Quem veio a seguir já encontrou um ambiente propício à prosperidade cujo mérito há quem queira atribuir-lhe em exclusivo. Como nota final, diga-se que a Drª. Lélia Nunes, informada por mim a respeito dos erros do sítio referido, escreveu de imediato ao prefeito. E este também de imediato respondeu. As informações sobre o povoamento dos Açores e a colonização do Sul do Brasil por açorianos foram apagadas, enquanto que a Drª. Lélia Nunes foi convidada para colaborar na reposição da verdade.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Outra vez o plágio!

No tempo do Rei-Sol, forca para os plagiadores... mas sem trampolim

Há dias, como consta aí mais abaixo, publiquei o “Auto do Plágio”, aludindo a um acto difícil de entender e muito menos de aceitar. Tratou-se de alguém que há uns pares de anos enviou do Algarve para um jornal dos Açores o poema Canção do exílio, de Gonçalves Dias, poeta brasileiro do século XIX. Pensei que não fosse possível dar de caras com algo pior, no género. Mas é, meus amigos! E sem um oceano de mar e outro de tempo a separar o original e a cópia, mas dentro da mesma cidade e no mesmo mês!

Um amigo meu, José Manuel Rebelo, publicou no número de Janeiro da revista O Tripeiro uma belíssima evocação de Artur d’Oliveira Valença, feita com o cuidado e o saber de quem está habituado a escarafunchar os velhos papéis com que se faz ou refaz a História. Deu ao seu trabalho o título “Um Tripeiro de Fibra”. Pois não é que, no dia 26 daquele mês deste ano da graça de 2010, alguém lhe copiou integralmente o artigo e o assinou com o seu nome? E num jornal que é para mim uma referência da juventude, O Primeiro de Janeiro. Como se isso não bastasse, inseriu o texto num seu blogue, com a indicação de que fora publicado naquele jornal na data já dita. E, porque nestas coisas há sempre uma ironia à altura do atrevimento, chama-se aquele blogue “Verdade-Razão”!

Mas o homem não mudou nada? Mudou, sim. O título. Que ficou como se segue: “No ano de celebrar o centenário da República Portuguesa”. Ah, e alterou mais um bocadinho, o mínimo indispensável. Trata-se da introdução do artigo que, no caso da revista O Tripeiro, foi feita por Artur Santos Silva. Por curiosidade, aqui deixo as duas introduções, para comparação.

Introdução da revista O Tripeiro:

“Neste ano em que se celebra o centenário da República, é perfeitamente justificada a evocação e homenagem a Artur d`Oliveira Valença, um portuense homem de acção, combatente da liberdade, jornalista, empresário desportivo, activista político e lutador contra a ditadura salazarista. O homem que, ainda menor de idade, organizou o Batalhão de Voluntários Portugueses e Brasileiros na 1ª Guerra Mundial, que viria a estar na origem do Corpo Expedicionário Português. E que, durante toda a sua vida, se manteve fiel aos ideais da Democracia e da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Um testemunho aqui trazido por José Manuel Tavares Rebelo, um historiador ligado familiarmente a Oliveira Valença, por ser casado com a sua filha, Olímpia, a quem (também) dedica este texto.”

Introdução de O Primeiro de Janeiro:

“No ano em que se celebra o centenário da República, é perfeitamente justificada a evocação e homenagem a Artur d`Oliveira Valença, um portuense de acção, combatente da liberdade, jornalista, empresário desportivo, activista político e lutador contra a ditadura salazarista. O homem que, ainda menor de idade, organizou o Batalhão de Voluntários Portugueses e Brasileiros na 1ª Guerra Mundial, que viria a estar na origem do Corpo Expedicionário Português. E que, durante toda a sua vida, se manteve fiel aos ideais da Democracia e da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Um testemunho aqui relatado por Mário de Sousa, um portuense ligado familiarmente a Artur d`Oliveira Valença, por ser Tio de suas netas, Diana Isabel Valença de Sousa (com 10 anos de idade) e Carla Alexandra Valença de Sousa (com 9 anos de idade) filhas de sua filha Diana Valença (cunhada de Mário de Sousa), a quem também dedica este texto.”

terça-feira, 2 de março de 2010

Um ano depois (nota do editor)

Sendo O Espólio a minha oferta de aniversário ao meu pai no ano passado, hoje O Espólio faz um ano.

O leitor de música foi actualizado tendo em conta este dia especial.

Rodrigo