Os Hebreus. “Homens poeirentos”, o que talvez seja o significado irónico da palavra com que eram conhecidos. Caminhavam no pó, surgiam do meio dele, desapareciam entre nuvens de poeira. Nómadas, não tinham morada certa. A sua casa era uma tenda, a sua pátria era o deserto. Como outros povos que ainda não tinham encontrado um pedaço de terra que pudesse ser seu. Onde crescesse erva em abundância e a água jorrasse em permanência. Onde pudessem semear umas lentilhas ou uns grãos de trigo. Homens sem pátria, sem casa e sem Deus. Talvez prestassem culto aos deuses dos altares que encontravam no seu caminho de vagabundos.
Um povo sem deuses seus, sem um ao menos, era um povo incompleto. Como uma família sem pai ou sem mãe. Poderiam fazer um ídolo. Mas com que nome? Com que poderes? Para os proteger de quê e em quê, se de tanto eram necessitados? E seria mais um empecilho a transportar nas longas jornadas. De qualquer modo, saberiam sempre que ele teria sido fabricado pelas suas próprias mãos, que teria sido uma invenção sua. E compreendiam que a imaginação não faz a realidade.
Mas um dia, ou ao longo de vários dias, ou até durante anos sucessivos, por palavras ouvidas ou apenas no íntimo da sua mente, Abraão percebeu que alguém se lhe revelava. Alguém que se dizia o seu Deus e o Deus do seu povo. Um Deus sem imagem física, que nem sequer tinha um nome nem um rosto. Que caminharia com ele e com o seu povo, que estaria sempre com eles.
Os Hebreus foram-se afeiçoando a esse Deus desconhecido. Dele só sabiam que era o seu, e isso lhes bastava. Já eram, agora, uma família completa. Os outros povos talvez continuassem a escarnecer deles, mais ainda do que antes, por estarem convencidos de que tinham um Deus que não precisava de corpo nem de feições.
Deus tivera o cuidado de não dizer muito de Si mesmo. Nem sequer que era o único. Porque Abraão, e sobretudo a sua gente, dificilmente acreditariam nisso. Vivendo entre povos que prestavam culto a muitos deuses, ninguém poderia imaginar que afinal nenhum deles fosse verdadeiro, e que o único era aquele que Abraão dizia ter-lhe falado. Um Deus menor, sem dúvida, como menor era o povo que o proclamava seu.
A fé de Abraão foi aumentando. E a sua confiança tornou-se ilimitada quando Deus cumpriu a promessa de Sara, sua mulher, lhe dar um filho apesar da idade já muito avançada. Ela chegara a compadecer-se tanto do marido que até lhe oferecera Agar, sua escrava egípcia, para nela gerar descendência.
Entretanto, Abraão já percorrera um longo caminho. Partindo de Ur, sua terra natal, e tendo passado por Babilónia e Mari, chegara a Haran. E fora aqui, onde, tal como em Ur, se adorava a mesma deusa que habitava a Lua, que começara a receber a revelação divina. Depois seguira para sul, porque Canaã era o seu destino. Terá passado por Karkemish, Alepo e Damasco, fixando-se em Siquém. Mais tarde, em tempo de uma grande fome, procurou refúgio no Egipto, que era o sonho de todos os famintos por causa da abundância de colheitas que cresciam nos aluviões do Nilo.
Quando regressou do Egipto, montou as suas tendas perto dos carvalhos de Mambré, junto ao Hebron. E aí ergueu um altar ao Senhor, como antes fizera num monte a oriente de Betel. Um altar vazio. E já então Melquisedec, sacerdote e rei de Salém, celebrara com pão e vinho uma vitória de Abraão contra os inimigos que tinham feito prisioneiro seu sobrinho Lot. E saudara o patriarca dizendo: “Bendito seja Abraão pelo Deus Altíssimo que criou os Céus e a Terra.”
Abraão terá percebido que o seu Deus de algum modo também se ia revelando à inteligência de outros homens de boa vontade. O Deus que lhe manifestara a existência e prometera a protecção do seu povo era, afinal, Senhor de toda a humanidade.