“Viste-me com sede, e deste-me de beber”.
Parece pouco para merecer o Céu. Mas Jesus falava a gente que compreendia o que Ele dizia. Numa terra árida, desértica, onde os oásis rareavam, uns goles de água podiam ser a diferença entre a vida e a morte.
Gino Bartali e Fausto Coppi foram os maiores ciclistas italianos das décadas de 1940 e 1950. Muitas vezes a vitória nas corridas em que participavam foi decidida pelos dois somente, enquanto os restantes se limitavam a disputar o 3º lugar. Nesse tempo não havia carros de apoio nem público nas estradas dos sítios ermos. Numa dessas ocasiões em que ambos seguiam a léguas do pelotão, Coppi estava sedento e não tinha água. Pensou pedi-la a Gino, mas temeu que este não lha desse. Sabendo-o enfraquecido, o adversário poderia acelerar e deixá-lo definitivamente para trás. Mas a sede foi mais forte que o temor. Fausto Coppi acabou por pedir água ao rival de sempre. Gino Bartali disse-lhe: “Dá-me a tua garrafa.” Fausto deu-lha. Gino vazou água da sua na dele, e devolveu-lha dizendo: “Se quiseres mais, tenho aqui.”
Fausto Coppi ganhou a corrida sobre a linha da meta. A primeira coisa que fez foi correr para Gino Bartali. Abraçou-o e disse: “Ganhei por causa de ti.” Gino limitou-se a responder: “ Se fosse eu, farias o mesmo.”
Nesse dia a corrida teve dois vencedores.
“Viste-me com sede, e deste-me de beber”. Quando Gino Bartali morreu, no ano 2000, deve ter sido recebido no Céu com estas palavras.
Fausto Coppi ganhou a corrida sobre a linha da meta. A primeira coisa que fez foi correr para Gino Bartali. Abraçou-o e disse: “Ganhei por causa de ti.” Gino limitou-se a responder: “ Se fosse eu, farias o mesmo.”
Nesse dia a corrida teve dois vencedores.
“Viste-me com sede, e deste-me de beber”. Quando Gino Bartali morreu, no ano 2000, deve ter sido recebido no Céu com estas palavras.
36 comentários:
Também eu tenho sede e tu dás-me de beber, amigo.E não só a mim.
As portas do céu vão-se escancarar à tua chegada.
Mas que demore...
Daniel,
Acho que a lição bíblica referida não se aplica ao acontecimento entre os dois corredores.
São sedes completamente diferentes.
O Anónimo sou eu, carmélio
Daniel meu querido,a água e o abraço foram os grandes prêmios do episódio.Essa ética é o que anda faltando nas pedaladas humanas.
Porquie não existe pódio para quem divide a água.E o que mais me marcou nesta história foi a afirmação que Gino fez ao Coppi: "Se fosse eu, farias o mesmo.”Isso demonstra crença na humanidade.E tenho certeza de que quando dividiu sua água nem esperava pelo abraço.
Um grande beijo e um longo abraço.
Tenho certeza que o Espólio será como uma reserva mágica a nos ofertar água.
Lia e Cristina, que Deus oiça ambas.
Carmélio, agradeço o comentário. No entanto, embora na Bíblia haja muitas referências à sede como metáfora espiritual, e o próprio Cristo a use também, como no diálogo com a Samaritana, neste caso (cap. XXV de S. Mateus), a água é ela mesma, sem qualquer dúvida. ("Tive fome e deste-Me de comer; tive sede e deste-me de beber" etc.)
Daniel,
Entendo a "água" como metáfora espiritual, a mesma usada no baptismo.
Mas eu até referia-me à água como ela mesmo. Assim, os ciclistas estão ali porque quiseram estar, e se um não oferecesse água ao outro pouca diferença fazia na situação da água bíblica a que te referes, porque esta é mais profunda e universal.
Quando actualmente há milhares de pessoas sem acesso a água e outros tantos milhares a bebê-la em garrafinhs de plástico contaminado, o exemplo dos ciclistas fica muito a dever.
Força!!!!!!!!
Carmélio
Eu quis sobretudo dar um exemplo magnífico do que deveria ser o desporto. Como no caso de um jogador do Espanhol de Barcelona que, num jogo em Chamartin com o Real Madrid, se isolou, o guarda-redes (Junquera) saiu ao seu encontro e bateu-lhe no joelho, ficando inanimado imediatamente. Ao jogador catalão (de que esqueci o nome, infelizmente) bastava-lhe empurrar a bola, mas foi logo ajudar o adversário. Estava 0-0. O Amancio ainda marcou o golo da vítória para o Real, a um quarto de hora do fim. O jogador do Espanhol ganhou uma medalha de mérito desportivo concedida pela UEFA.
De qualquer maneira, sede é sede. E um bom exemplo merece sempre ser lembrado.
Já agora te digo que o Coppi depois fez o mesmo de facto ao Gino Bartali. Tornou-se habitual entre eles. E o Gino tinha fama quase de santo.
Daniel,
Senti um arrepio da cabeça aos pés ao ler o belíssimo relato que aqui nos trazes.Não há dúvida nenhuma que aqui se pôs à prova a capacidade do homem em ser ou não ser solidário com o próximo,a capacidade do homem de estender ou não estender a mão ao seu semelhante,mesmo sendo seu adversário.Será que num contexto destes,faríamos o mesmo?
Grande lição!E é com lições destas que o amor da humanidade vem ao de cima.
Um abraço,Daniel.
Agora entendo!
Custa-me muito pedir o que quer que seja para mim. Para os outros é fácil pedir.
Fiz há anos atrás uma caminhada de quilómetros com pessoas habituadas a tal e eu não. No cimo da serra percebi que o meu orgulho era menor do que a sede e pedi água a um menino (12 anos?). Foi um momento sensacional de partilha e solidariedade por parte daquele menino, que me senti, além de agradecida, muito frágil e pequenina. Como aquele menino me ajudou!!! E como o meu orgulho se desvaneceu!!! Aquela água matou a minha sede e tornou-me mais humilde, melhor pessoa.
Há várias sedes que nos matam a vida. Matar a sede é dar vida!
Dica, Carmélio, Mar de Bem
Vocês, tal como quem mais por aqui passou, acrescentaram ao artigo algo que lhe faltava.
Obrigado a todos.
Vou enviar ao meu "editor" mais um texto, agora sobre a belíssima cidade de Angra, princesa (ou rainha?) das Ilhas Encantadas. Espero que não desiluda.
Abraços.
Venha Angra, venha ela bélica ou heróica, mas que venha...
Mar de Bem,
Afinal o menino nem pensou em ajudar-te muito, tu é que te sentias orgulhosa na situação que nos contas.
Todo o bem que se faz ao próximo é espiritual, principalmente quando, materialmente, pode reverter em prejuízo próprio.
Gostei!
Carmélio:
...o menino teve algum pejo em dar p'rá minha boca, o seu cantil. Não é fácil, com doenças que se apanham por um dá cá aquela palha, passar a uma desconhecida o seu próprio cantil. Por isso, minha gente, ele foi valoroso, ele teve dó, ele foi muito generoso, ele merece que, apesar de eu já nem saber quem ele é, ele merece, repito, toda a minha gratidão.
Neste momento aquele menino é quase uma figura de ficção, mas, na realidade, ele matou-me a sede...
Mar de Bem,
Entendo a tua autoridade em interpretares a atitude do menino, mas na verdade, não a tens. Deixa o menino responder por si.
Por outras palavras,pergunta-lhe se ele se sentiu valoroso, piedoso e generoso.
Quem sabe?!
Carmélio, eu não sei quanta vida já viveste, mas tens que entender que o menino foi p'ra mim um mensageiro.
Ele cumpriu para comigo um papel primordial.
Estou-me nas tintas se ele se sentiu ou não um herói. ELE É PARA MIM UM HERÓI!
Tu não podes, Carmélio, ver as coisas dum modo singular (os homens às vezes têm esse pitafe). Há vários pontos de vista sobre a mesma coisa e todos eles reais e verdadeiros.
Porque carga d'água queres definir o menino? Aqui não é o menino que interessa, mas sim o que o menino me fez. A atitude dele, suplantou-o, ultrapassou-o, saíu-lhe do controle, já não lhe pertencia, extravazou-se. Ele já não era dono dela. A atitude dele tomou pernas para andar!!!
É dessa atitude que eu falo...
Carmélio, tu sabes sempre o BEM que fazes? Contabiliza-lo? Sentes-te melhor ou tanto faz, quando o fazes?
Sabes uma coisa? A gente nem dá por isso...
Mar de Bem,
Disseste que "Foi um momento sensacional de partilha e solidariedade por parte daquele menino".
Eu apenas questiono, e face ao teu orgulho, como sabes que foi tal momento para o menino?! Só ele nos pode dizer, se acaso sabe.
Nós somos os últimos a responder por ele.
Mas que namoro aqui vai!!!!
Mar de Bem,
os blogues costumam ter um "chato" de serviço. Tratemos bem o que nos calhou em sorte, que até é simpático, embora dê para perceber que, se ele fosse o rapaz do cantil, ter-te-ia deixado morrer de sede.
Ai Jasus, e a coisa é tão simples:
""Manuel da Emília, que estava com o João, disse-lhe: "Vou picá-lo."" Manuel da Emília tinha a esperança de que o Nuno mordesse a isca.
.........................
Nada disso é chato, nada disso é simpático. Tudo tem a ver com uma ilha "que durante muito tempo só se abriu para deixarsari gente."
Mas que diálogo divertido.Gosto disto.
Lua de Mel,
Divertido mas tem um preço.
Conheces a Maria Emília e o João?
E achas que a ilha só se "abriu para deixar sair gente?"
Há muito mais perguntas sobre a ilha, mas fiquemos por aqui.
Agora mete-se uma Lua de Mel a "atramoçar"... Bem bom que se diverte.
Carmélio, pelo menos nisto estamos de acordo:
"Tenho sempre tido uma enorme dificuldade em reconhecer as razões das movimentações separatistas. Vieram sempre para favorecer uma classe que nunca foi a minha e de interesses que nunca foram os meus."
É que eu também não tenho classe nenhuma.
Daniel,
Onde percebeste que eu me referi ao separatismo? Até fiquei com arrepios.
Daniel, eu até tenho classe e pertenço a uma...........a dos simpáticos. (Risos)
Lua não atromoça nada; venha gente, e mais gente......olha, "venham mais cinco" e "Traga outro amigo também."
ho,ho, agora é que não gostei!
"É que eu também não tenho classe nenhuma."
Ah, espera lá, já percebi e comungo do mesmo: eu tenho muita classe, lá isso tenho, mas não pertenço a classe alguma. Nós somos uma classe à parte!!! Lembras-te, Daniel, da Mafalda a contestatária, do Quino? Ela dizia que pertencia ao rebanho dos que não queriam ser rebanho. É esta a nossa virtude...ou será cobardia? Cobardia, nem pensar! Somos demasiado excelentes para que a cobardia se cruze connosco!!!
Agora vamos ao Carmélio!
Gostas de me picar, mas eu não me chateio. Eu gosto é desta picardia entre mim, que não ando discreta, e o Carmélio que pensa que tem sempre razão. Eu não conheço o Carmélio, mas, no meu tempo de Belas-Artes, tínhamos um colega assim e nós invectivámo-lo, porque nos dava um gozo bestial todas as suas respostas. É preciso alguém assim, para que o tédio não se instale.
Com que então Carmélio, andas a dissecar todas as minhas palavras?
Eu não respondo pelo miúdo, mas que ele me fez bem, fez. E ele soube que o fez.
...e agora?
Mar de Bem,
Qual razão, qual carapuça?!
"Ter razão" é como a "A Verdade": é a procura dela.
E agora?
Estávamos em 77, três anos depois das Mafaldas deste país deixarem os cravos murchar, a Morais, e de Cardoso Pires, publicou "E agora, José?", como
a perguntar "E agora, Portugal?"
E agora, nós? É passar o resto dos nossos dias a ler deliciosos bocados de prosa como aquele que o Daniel nos oferece.
...e os nossos comentários? Não gostas de os ler? É como se abrisses a torneira e deixasses correr. Até pode haver enchente que a gente não se importa...
Até já, Carmélio!
Sim,Irmão Carmélio,não são só pedaços de prosa que a vida nos dá.Dá-nos riachos,ribeiros,o cantar das fontes e dos galos,ruídos horrendos,cantares desafinados,relações medíocres e relações boas,gentes que se querem,gentes que se não querem,políticas decentes,políticas do dianho,crianças felizes e crianças infelizes,animais vadios e animais com bom tecto...dá-nos isto tudo e uma coisa muito bonita que (ainda)ninguém te/nos pode tirar:a capacidade e possibilidade de sonhar.
Dica, assim é que é falar!
Beijos, mana!
Acabo de dizer, mais acima, que os comentários são muitas vezes o melhor dos blogues. Creio que este vai sendo um bom exemplo disso mesmo.
Obrigado a todos.
É isso mesmo, Daniel! Este é o melhor laboratório (psíquico) para analisar as mentes humanas. Aqui se conhecem profundamente as pessoas, porque não nos distraímos a olhar o seu físico, apenas olhamos as mentes.
(este entrecruzar de almas, enriquece-nos...)
Agora entendes porque Mercês e eu fomos a Braga ver as manas do DELFOS (Acrópole)? E porque fui eu a Porto Formoso (Praia dos Moínhos) para te conhecer?
DEUS é grande porque permite que nos reconheçamos, para que possamos tornar este mundo mais bonito.
...e é mais bonito desde que vos conheço!!! Obrigada
Sim... existe gente assim.
Bela história!
Abraço
Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra Irene. Você não precisa pedir licença.
(Manuel Bandeira)
Obrigado por esta pérola, daquele que estava "farto do lirismo bem comportado". Como tu, meu Caro.
Hoje, estando já a respirar esta maresia do canal, ouvi no Interilhas o Sidónio entrevistando a Cris. Tens razão Daniel, aquela voz doce não pode servir senão àquela excelente criatura: o "palhacinho de Deus".
Beijos nublados de poalha marítima, para ti, Daniel
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