quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Auto do Plágio
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Acordo ex corde?
Valha-nos Deus, que o argumento de autoridade prevaleceu no acordo sobre a unificação transatlântica do Português. Como ele foi preparado por linguistas, a nós, os vulgares utilizadores da língua, por mais que a usemos ficou-nos interdito opinar sobre o seu futuro. Ora o problema é que, se uns podem invocar a sua sapiência para dizer “vamos por aqui”, outros com igual garantia académica têm o direito de negar “não vamos por aí”. Pelo que, afinal, fica aberto o caminho para a autoridade da nossa própria opinião.
Fazendo eu claque com os do segundo grupo, abstenho-me de mais argumentos, até porque estes devem estar todos esgotados. Mas, melhor do que um acordo que parece destinado a instalar mais confusão, seria ensinar aos portugueses a história da sua língua. E tanto tem sido ela descuidada no último século e meio que se perderam centenas de palavras, substituídas por outras, como, por exemplo, a importação anglo-francesa “pónei”, que em português se dizia “faca”, e que Aquilino terá sido o derradeiro a usar, em O Malhadinhas.
O amor à língua e o seu conhecimento deveriam fazer parte do estudo do Português. Não com a dissecação maçadora de grandes romances segundo as modas do momento, mas com uma viagem no tempo da nossa literatura. Começando pelos contemporâneos e recuando a pouco e pouco – um conto do Eça, uma lenda de Herculano, uns sonetos e epigramas de Bocage... – até chegar às origens. Com estas mudanças graduais no léxico, na sintaxe e na ortografia, os alunos acabariam por compreender mais facilmente uma qualquer “velida mia senhor”. E, pelo meio, umas leituras de autores brasileiros ou africanos, para que se percebesse como, na mesma língua, se escreve de maneiras tão diversas e fascinantes. Talvez também um passo ao lado de lá da fronteira, para ver como da fonte que foi o latim “bárbaro”, e que conduziu ao galaico-duriense, evoluiu o galego sem grandes distinções do português. Ou até mesmo ir um pouco mais longe, ao provençal, “lenga romana”, como era definida para diferenciação do latim, língua culta de que estas outras vivem. Então estaríamos todos mais bem preparados para discernir se a hipotética e utópica unificação vale mesmo a pena, ou se a diferença se tornou, afinal, no mais belo exemplo da versatilidade da língua comum.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Carta de Eça a Fradique Mendes acerca das reformas sociais em Portugal (ficção)
Disse Michelet, referindo-se àquele vendaval ético que é o Antero: “Se em Portugal restam quatro ou cinco homens como o autor das Odes Modernas, Portugal continua a ser um grande país vivo.” A desgraça, Fradique, é que, tal como Abraão não encontrou em Sodoma dez justos que aplacassem a ira divina, nem com lanterna à luz do meio-dia o bom do Michelet contaria entre nós metade disso. A que se deve este despautério, esta tontice engalanada, este deserto de ideias num governo tão cheio de cabeças? Acusa-se Lisboa de ser a culpada dos males do país, mas que é Lisboa ou quem é Lisboa? Lisboa é a província à procura de um lugar ao sol. Não há contabilista de Trás-os-Montes que não sonhe com uma carreira na capital, se possível chegando a ministro e talvez bancário. Não há regedor do Algarve que não sofra o desvario de julgar que um dia pode ser presidente do ministério. Nem há poeta de aldeia que não teime em chegar a bardo, de bebedeira e rima, nas tabernas de bairro e nas redacções dos jornais de Lisboa. A única condição é haver quem os promova. O resto é o trivial nestes avatares da vida. Porque, em Lisboa, primeiro se faz o nome e depois a obra.
É certo que da maior parte desta gente se poderia dizer o que disseste do comendador Pinho em carta a Madame de Jouarre “É o comendador Pinho um cidadão inútil? Não, certamente. Dum Pinho nunca pode sair ideia ou acto, afirmação ou negação que desmanche a paz do Estado.” O pior, meu caro Fradique, é que há Pinhos desses que sobem à glória efémera de se julgarem o Estado.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Casa do Pai
Sem grades nas janelas e sem aço.
E que nos aconchegue em cada abraço
Sem nunca ser abraço de ter de ir.
Seja a casa de estar, não de partir.
Que nos aceite, mortos de cansaço,
Com um beijo de amor por cada passo
Dado em muitos regressos, sem sair.
Que outras casas buscámos e que telhas.
(Quando algum dia a vida nos demore)
Com um ramo nas mãos – rosas vermelhas.
Mate o bezerro gordo, mas não chore.