segunda-feira, 25 de abril de 2011

Camões em duzentas e tal palavras



Se eu disser que ontem encontrei Camões, quem ouvir espanta-se até ao infinito ou chama-me doido. Corro o risco. Encontrei o vate, sim. “Um perdigão depenado”, como no filme de Leitão de Barros. Incapaz de fazer uma canção, uma endecha, uma estrofe que lhe não enxovalhe a fama. Insisti. Dei-lhe a minha palavra de que não venderia o autógrafo. Que valeria uma fortuna maior do que ele ganhou a poetar a vida inteira. Seria um insulto. O original, guardo-o ciosamente. A transcrição vai abaixo. Talvez com falhas. A sua caligrafia é mais difícil de entender que a do Vergílio Ferreira.

Sam taes os dões na Lingua Portugueza,
Tam forte, femenil, e tam fermosa,
Como erão na latina. Tal belleza,
Despois na nossa posta, é mais famosa.
Mas a patria christã da-me a certeza
D’esta sentença fea e desditosa:
Se eu vivera outra vez, morria à mingua,
Pois ja ninguém entende a minha lingua.

Forão sutis mudanças a mudalla,
A pouco e pouco sempre em crecimento,
Que ja eu nam consigo bem uzalla
Porque foi mui disforme tal augmento.
Mas inda assi nam deixarei de amalla
Que a lingua tãobem é um sintimento.
E por tanto da lingua estar ja morto,
Eu sinto, por ser morto, algum conforto.

5 comentários:

samuel disse...

Estes versos são a (enorme!) confirmação do que disse no post anterior. :-)))

Abraço.

Anónimo disse...

Meu Caro Samuel, aqui a virtude, que continua a ser da Língua, é também do Camões. Limitei-me a copiar-lhe o estilo, como quando brincas a imitar flamenco.
Um abraço.
Daniel

Ibel disse...

Como costumo dizer,a cultura e a imaginação fértil produzem estes prodígios. Olha do que tu te foste lembrar! Um encontro com Camões, a pretextuar uma crítica cheia de graça e, num português manhoso, mas sem que o conteúdo poético deixe de ser pleno de substância e de graça. Adorei e vou levar.

Beijinho

Ibel disse...

Vi depois de publicar,
Uma vírgula tresmalhada,
Mas como vou hoje vale tudo,
Vou deixá-la envergonhada.

Anónimo disse...

Isabel
Espero que o Camões não se tenha ofendido com esta minha intromissão na sua vida no Além. Quanto à língua, mais coisa menos coisa, não seria muito diferente do que por aqui deixei.
Para a próxima, volta a descuidar-te em alguma vírgula, para apresentares desculpas tão interessantes como esta.
Um abraço.
Daniel