Não é uma miniatura de ilha, mas é quase. Com a beleza e a graça das miniaturas bem feitas. Provavelmente por isso a chamaram Graciosa. Mas há quem pense que o seu baptismo foi em honra da Virgem, a cheia de Graça. Qualquer que seja a verdade, merece o nome.
Apesar de os vulcões se terem apagado há tanto tempo que a sua obra está com certeza completa, há ainda lembranças deles, como as cinzas de uma fogueira, nas fumarolas da baía dos Homiziados e na Furna do Enxofre – onde é possível um temeroso vislumbre das entranhas da Terra – ou nas termas do Carapacho, cujas águas curam doenças do corpo e talvez do espírito.
São sessenta quilómetros quadrados de serras pouco mais altas que colinas e de pequenas planícies que sempre bastaram para alimentar os seus habitantes, que já foram quase dez mil na década de 1950 e, agora, são menos de cinco mil. (A atracção das sereias da fortuna... Pensando bem, no entanto, talvez houvesse sido melhor para muitos terem-se feito amarrar às suas pedras brancas, como Ulisses ao mastro do seu navio.) Gente que aprecia os prazeres da vida, seja nas longas, breves noites dos bailes de Carnaval, seja no entusiasmo ocasional de uma tourada ou em algum concerto público ou num recital familiar. (Aí por meados do século XX havia na Graciosa um piano por cada cinquenta habitantes.) Gente que não sente a ilha como solidão, que é sentimento que só de fora se pode julgar que existe. Por isso o seu poeta Victor Rui Dores escreveu: “Ilhéu prisioneiro em Lisboa/ fiz-me ao Tejo e rumei às ilhas/ - para o lado de lá de tudo isso".
(Do livro Açores, editado pela Everest. A editora não autoriza a transcrição.)
24 comentários:
Quem beleza!... Dá gosto ler.
Muito bem, mas infelizmente houve ali uma troca de fotografias, aquela é da Rocha dos Bordões na ilha das Flores.
Bem haja.
Culpa minha a da imagem. Quer dizer, culpa e distração. Como editor d' O Espólio, peço desculpa aos leitores, aos graciocenses, aos florentinos e sobretudo ao autor do blog.
Hoje encalhei nessa coisa espantosa dos cinquenta habitantes por piano (ou o contrário...).
Imaginar isso transposto para o resto do país, faz-me pensar na legítima excitação dos vendedores e desespero dos carregadores de pianos, que só aqui para a pequena cidade de Montemor-o-Novo, teriam que alombar com mais de duzentos.
Voltando à ilha, às ilhas, esse fenómeno é apenas mais um sinal do talento, apego e dedicação, que produziram durante séculos aquela que é, talvez, a mais extraordinária música popular portuguesa.
Ah... e o pequeno texto explica exemplifica muito bem o charme das tais "miniaturas bem feitas". :-)
Abraço.
CS
Obrigado. Mas ver é incomparavelmente melhor, podes ter a certeza.
Marisa
O Rodrigo já explicou. A gente às vezes está pensando numa coisa e faz outra. Olha que no livro a que estes textos pertencem eu escrevi "Damião de Góis" enquanto o cérebro pensva em "Bento de Góis"... (O Damião nasceu em Alenquer e o Bento em Vila Franca do Campo.)
Samuel
Fantástico, não é? Pois a Graciosa nesse tempo tinha precisamente à volta de duzentos pianos. Há quem diga da música dos Açores o mesmo que dizes. Meu Caro, e o "cante" alentejano?... E as canções da Beira interior?... E...
Daniel:
Nunca me entendo bem quando faço comentários. Coloco «anónimo» e assino depois com o meu nome!Belo texto e bela imagem. Mesmo trocada,segundo me pareceu,continua a mostrar a beleza dos Açores.
Sim, tem razão, «O Espólio» não tem nada a ver com a «outra coisa». Foi quanto perderam. Aqui respira-se ar puro. E outras coisas: respeito, amizade, lealdade, admiração sincera, enfim, por aí fora...
O abraço amigo da
Soledade Martinho Costa
...e o Chico Lobão, cantador de ópera, cunhado da Mª das Mercês? Tudo encantos culturais da Graciosa...
Sentei-me na Praça e observei o Tempo e o tempo, o ritmo, os passos e os jeitos das suas gentes. Até tive tempo para ver e saborear o voltear do fumo do meu antigo cigarro (há um ano que não fumo).
E conto isto ao chegar a casa da nossa Mercês.
Seu marido apenas me diz "mais depressa p'ra quê? A ilha acaba logo ali"!!!
Sabedoria de quem tem tempo p'ra ter Tempo. Um dos encantos desta ilha de Encanto.
Ah, como eu gosto desta linda "sala de estar" - a Graciosa, que alberga os meus mais preciosos AMIGOS
(Preciosíssimo é o outro AMIGO, na Maia!!! Quem é, quem é?)
...direi mais, depois...
Soledade
O melhor dos blogues é muita vezes a sala de visitas. Este é um caso claro de que assim é.
Se não te agrada esta Graciosa, vou pedir ao Rodrigo para pôr outra. Eu penso que aquela povoação é o Carapacho, com o ilhéu de Baixo à direita. A Mar de Bem ou a Mercês podem confirmar.
Margarida, eu conheço alguém na Maia que é muito teu amigo. Vou dizer-lhe isso que disseste dele, e ele ficará muito feliz.
Um abraço a cada uma destas excelentes amigas.
Ainda não cheguei à Graciosa e já acho que deveria lá estar, nessa "miniatura de ilha"onde habita uma enorme mulher que já me cativou,"com a graça"das coisas grandes, que existem pela elegância e nobreza de carácter e de gestos,em tudo graciosas,porque dentro delas há um piano qualquer que atrai o lob(ã)o.
Vou gostar certamente desses sessenta quilómetros quadrados onde a vida é apreciada com prazer,com a mesma intensidade com que gosto de quem os escreve,ilhéu prisioneiro de ilhas, apaixonado por elas, com piano em todas as sílabas de cada palavra que compõe e que ressoam a uma sinfonia de azúis. É uma alma deslumbrada de água e que está para além de tudo o que não vale.
Abraço, Daniel
Casa cheia, e eu de trancas à porta!!! Imperdoável e mea culpa pelo desmazelo, que o mui nobre Daniel já havia anunciado a proximidade desta visita.
É entrarem e desafio o Rodrigo, (que está perdoado), para um estágio na ilha branca, para nunca mais confundir bordões verdes na secura da ilha mais feminina - e quem com mais propriedade para o notar? A Marisa, que é flor, de mãe, e de grácil de pai.
Ilha. Esta é talvez a ilha que o é mais. Porque tem com um mar uma relação permanente e completa. O mar vê-se dela toda.
Graciosa, branca e redonda, onde os ventos correm sem entraves. A norte dela é tudo líquido, água e sempre mar.
Mas a ilha é mais. É generosa. Dela se vêem todas as ilhas ao mesmo tempo - do Pico também, mas só lá do alto, para quem se atreve a lá subir. E para tanto se cansa. Aqui não. Tudo é brandura, suavidade, musicalidade...
Só a água doce é escassa. Nesta ilha dava-se vinho e vendia-se água. É um facto histórico verdadeiro.
YES, "you" can!!! Oh Daniel como só tu sabes pintar as palavras e mesclar com branco, e no tom certo, as cores do arco-íris para falar da minha ilha!!!
Ilha branca, ilha berço.
PS: A foto é linda e expressiva. Rumando ao Carapacho, sim. Hoje ainda se discute se terá sido este o ponto de desembarque, se a Praia…
Cá estamos. Obrigada Daniel por esta terna provocação.
mar-ia
E agora que é que faz uma alma cristã ao ler, embevecido, os textos lindos, fluidos, cintilantes, que aqui ficam expostos à nossa admiração?
Pois é, meus caros amigos que aqui vêm para um pouco de conversa, percebe-se o valor das coisas pelos sentimentos que provocam. E, nisso, a Graciosa é uma provocadora sem remédio. Como o seu vinho, do melhor que se produz em Portugal. Podem meter na conta o Bucellas ou o Colares, sim, que o verdelho não se envergonha com o confronto.
Obrigado, Ibel e Mar-ia.
Daniel, um incorrigível, mas sincero cristão ecuménico...
mar-ia
...e aqui estou com um sorriso escarrapachado no rosto...
MARIA das MERCÊS, MULHER!!! Olha o que aqui se prantou: Ibel/Lia, tu e Daniel (fora os outros). Que benção de Deus!!!
E não digo mais nada, pois posso estragar o ramalhete...que beijo enternecida e vaidosa...
E agora entro eu,não vá a Mercês(adoro a subversão que fazes aos aforismos,Mar-ia!)marcar-me falta e ficar a perguntar-se que é feito da transviada?
Graciosa,ilha de encanto,apesar de distante o seu alcance.
Daniel,a imagem que nos mostras é a parte Norte ou Sul da Ilha?E é «Branca» por ter muitas casas dessa cor?
Obrigada por nos dares a provar um pedacinho de mais uma das tuas ilhas(esta mais da Mercês),ilhas que têm o privilégio de serem cantadas por um trovador à sua altura,à sua imagem.
Um abraço gracioso
Daniel
É uma delícia ler essa pequena gigante através de seus olhos.
Lá também tem a pedra da baleia beijando um pedacinho da ilha.
Em 2007 lembro-me de estar como a Mar de Bem,fumando na praça,mas estava decorando uns versos lindos do Lobão,para o recital a noite.E o que trago nas lembranças de 2008,é o perfume das rosas de pétalas dobradas e o olhar doce da Mercês.
Um abraço bem caloroso e gigante envolvendo todos os amigos.
Eduarda
Esta é a parte Sul. Por isso a ilha parece ainda mais mimosa, como uma miosótis.
Chama-se-lhe branca devido à cor frequente em muitas das suas pedras.
Cristina
Então já sei. Quando eu quiser dar-te nome de ilha, chamar-te-ei Graciosa. (Se a Mercês autorizar.)
Receber esta partilha é mesmo uma graça. E de graça é.
A todos, aos de mais perto, aos que navegam nas ilhas e aos que estão no rectângulo português, a quem fala o português brasileiro ( olá Cris) e muito especialmente ao Daniel, a todos que invocam o meu nome e dão mimos elogiando o meu berço à boleia deste texto, agradeço do coração.
Margarida, tu não estragas nunca ramalhetes. Tu és flor de jardim aberto.
Ilha Branca, tem por alcunha, Dica, pelo que diz o Daniel, pela existência de pedra pomes. Esta ilha é também a mais seca e sobretudo, para quem a avista do mar, impressiona, por lhe faltar o verde que caracteriza as ilhas.
Mas nem sempre a sua vivência se fez com graciosidades.
A história também lhe deixa alguns topónimos que invocam bravuras. "Vitória", em justa homenagem ao sucesso na defesa pelas suas gentes, ao ataque dos piratas mouros, que buscavam víveres.
Usa Daniel o adjectivo. Usa e abusa, sem género, mas também no feminino.
Graciosa(mente) tu sabes usá-lo
Depois destas Mercês, vou deitar-me calmamente. Como sou um "cristão incorrigível", Mar-ia (ou Miriam, ou Mariam, que talvez queira dizer "Senhora") dixit, terei um pensamento para Deus agradecendo a ajuda generosa nos remos da minha barca, que espero bem que leve o rumo que o Conde do Gil Vicente tanto quis e não pôde.
A Graciosa, além do magnetismo estranho que faz com que a luz se reflita doutra maneira, mais destemperada ou mais entranhada, mas mais intensa, tem, imaginem(!), um PATO no quintal da Mercês, que surgiu do nada, desapareceu e depois voltou. Come com os gatos!!!
Quando eu fumava, ia p'ró pátio olhar o pato que nunca deixava de olhar de soslaio p'ra mim. Empoleirado sobre o muro foi o motivo de muitas fotos.
Mercês, sabes que tenho saudades das cores e da pose daquele pato? Já fizeste canja com ele???
O que a Graciosa desperta de graciosidade, não fosse a sua anfitriã de Albuquerque e de imperador esposa,ainda que de animal vista a pele, vá-se lá entender estes incompreensíveis fenómenos, que só o não são do Entroncamento, porque o espaço é de ilhas.E míticas!!!
Bendito Espólio, Senhor Santo Cristo!!!!
Ibel
Bendita cada mulher entre as mulheres e os homens.
Daqui, do Faial, quando o tempo está de feição, vêem-se 2 montes espalmados, quase 2 seios deitados. É a GRACIOSA, p'ra lá de S.Jorge...
...e eu invento que vejo a Mercês e que vamos, com nossas conversas tontas, calcorreando a Pesqueira até que um crescente de lua surja ao virar do caminho e a mãe do Artur se desvaneça por aquelas portas escancaradas de outra vida. Chegadas à Praça, o Imperador nos sorri e dá as boas-vindas à realidade...
MARIA das MERCÊS, QUE SAUDADES!!!
linda ilha é das minhas perferidas adoro passar os verão nela!
http://azoresub-bluewater.blogspot.com/
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